5 de maio de 2020

e daí?


a capacidade de ser repugnante é algo inesgotável em Bolsonaro. alguns dias atrás, quando um jornalista fez uma pergunta sobre a quantidade de mortes por Covid-19 no Brasil até aquele momento, Bolsonaro disse que não iria falar sobre isso porque ele não é "coveiro". alguns dias depois, uma outra jornalista citou para Bolsonaro o fato de que o Brasil havia ultrapassado a China em número de casos do novo coronavírus (quase 500 mortes no país naquele dia, um único dia), e ele comentou: "E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Sou 'Messias', mas não faço milagres".

eu não deveria continuar me surpreendendo com o que sai da boca de Bolsonaro, que é uma fonte ilimitada de frases asquerosas, mas eu ainda me surpreendo, pois é impressionante perceber a ausência total de empatia - e ainda mais impressionante porque se trata de um homem que foi eleito para ser presidente de um país. milhares de pessoas morreram, outras muitas infelizmente morrerão, e é dessa forma, sem nem sequer dizer uma única frase que possa servir como algum tipo de alento, que o presidente reage ao comentar sobre a realidade de tantas pessoas que perderam amigos e familiares.

Bolsonaro fala como se não tivesse nenhuma responsabilidade pelo que está acontecendo no país, inclusive disse que não vão colocar em seu colo essa "conta". mas quem é o responsável por trazer um avião cheio de gente contaminada dos EUA? quem é o responsável por demitir o Ministro da Saúde em meio à pandemia? quem é o responsável por algumas aglomerações que aconteceram no país? quem é que foi em manifestação apertar a mão e até tossir na cara das pessoas? quem foi que tratou a pandemia como "histeria" e disse em um pronunciamento, para o país inteiro ouvir, que o novo coronavírus é apenas uma "gripezinha", um "resfriadinho"? quem estava incentivando contra o isolamento social? Bolsonaro (que é chamado de "capitão" por algumas pessoas, mas que eu prefiro chamar de capEtão) tem "Messias" no nome, mas age como Pilatos: lava as mãos pensando que pode se eximir de responsabilidades.

o que não podemos dizer sobre Bolsonaro é que ele não está sendo um presidente coerente com o modo que ele sempre se comportou enquanto era apenas um deputado que participava de programas da televisão para dizer barbaridades, e uma delas foi falar sobre "fazer um trabalho que o regime militar ainda não fez,  matar uns 30 mil". Bolsonaro não gosta de falar sobre as mortes por Covid-19 no Brasil, pois, segundo o que ele mesmo diz, não é "coveiro", mas a verdade é que para falar sobre matar ele nunca fez cerimônia, "minha especialidade é matar", frase de psicopata e que ele já disse mais de uma vez.

enquanto era apenas um deputado que participava de programas popularescos da televisão, Bolsonaro parecia ser, na minha percepção, apenas uma espécie de bufão, um personagem ridículo e caricato que, de tão absurdo, provocava risos, parecia ser, até certo ponto, inofensivo. mas a verdade é que por causa de todas essas aparições de Bolsonaro na televisão, muita gente começou a se dar conta de sua existência e, mais que isso, começou a nutrir algum tipo de identificação com ele, afinal, no Brasil, a televisão é o que exerce a influência mais forte sobre os pensamentos da maior parte da população. e o que parecia ser apenas uma piada cretina se tornou presidente do país. Bolsonaro continua sendo, para mim, uma espécie de bufão, o Bozonaro (ou o Boçalnaro), mas não pode mais ser visto apenas como uma piada, pois, agora, com tanto poder nas mãos, ele pode ser, e é, muito perigoso, inclusive para os que ainda o admiram.

foi principalmente com o discurso do "combate à corrupção" que Bolsonaro conseguiu arregimentar tantos eleitores. portanto, aos que votaram em Bolsonaro e que ainda o apoiam, convém perguntar (uma pergunta que insisto em fazer): o que vocês têm para dizer sobre o fato de Bolsonaro "mexer os pauzinhos" para blindar os filhos contra as investigações? o senador Flávio Bolsonaro teria financiado com parte do dinheiro público confiscado de salários de funcionários do seu gabinete a construção de prédios da milícia no Rio de Janeiro e lucrado com esquema ilegal e o vereador Carlos Bolsonaro é apontado no inquérito que investiga a disseminação de fake news como um dos líderes de um grupo que espalha notícias falsas pela internet e pelo WhatsApp contra opositores do presidente e contra instituições, como o STF e o Congresso Nacional.

e diante da proliferação de casos de Covid-19 no Brasil, a única preocupação de Bolsonaro tem sido com a economia. "o maior remédio pra qualquer doença é o trabalho", frase dita recentemente por Bolsonaro, o homem que foi aposentado do Exército aos 33 anos com um salário em torno de 10 mil reais, benefício ao qual já tem direito de acrescentar uma aposentadoria após 28 anos de mandato parlamentar (de aproximadamente 27 mil reais, além dos mais de 30 mil reais da presidência). e o que Bolsonaro fez de bom para o país em todos esses anos em que recebeu todo esse dinheiro? os admiradores de Bolsonaro, que geralmente também falam muito sobre trabalho (muitos dos quais recentemente participaram de carreatas contra o isolamento social), elegeram para presidente do Brasil um homem que, na verdade, passou décadas sem trabalhar e apenas "mamando nas tetas" do Estado (expressão que o próprio Bolsonaro e muitos de seus apoiadores usaram muitas vezes contra outros políticos e artistas), um homem que antes de se tornar presidente passou décadas sendo um deputado medíocre, que já dormiu de boca aberta na Câmara dos Deputados e que já disse que usava o dinheiro que recebia do auxílio-moradia para "comer gente", além de tantas outras declarações repugnantes. e o mais bizarro é que um homem que diz essas barbaridades, que exalta torturadores, foi eleito com a ajuda de uma enorme quantidade de pessoas que se dizem cristãs, penso sobre isso e sempre me vem à mente a frase que li um tempo atrás em algum canto da internet: "Eu queria entender como funciona o cérebro de uma pessoa que admira Jesus Cristo e Bolsonaro ao mesmo tempo".

muitas das pessoas que votaram em Bolsonaro para presidente e que agora se dizem decepcionadas com o (des)governo, e que se mostraram indignadas quando ele reagiu dizendo "e daí?" ao ser questionado sobre o número de mortos por Covid-19 no Brasil (e não é a primeira vez que ele utiliza essa expressão ao ser confrontado com assuntos que envolvem a sua responsabilidade), são as pessoas que sempre disseram "e daí?" sobre as barbaridades ditas por Bolsonaro antes de ele se tornar presidente, ou seja, "passaram pano" sobre todas as milhares de demonstrações de estupidez de Bolsonaro e, agora, agem como se a estupidez de Bolsonaro fosse uma novidade, provavelmente algumas dessas eram as pessoas que, no período antes das eleições presidenciais e já cantando vitória em tom de deboche contra os eleitores dos outros candidatos à presidência, diziam (fazendo um trocadilho "muito criativo" com o nome Jair Bolsonaro) frases como a seguinte: "É melhor Jair se acostumando".

agora, depois de 16 meses de desgoverno, pergunto: é melhor Jair se envergonhando? é melhor Jair se arrependendo? na verdade, já passou da hora, e ainda muito pior do que um dia ter ignorado as inúmeras demonstrações de estupidez de Bolsonaro, mas agora não mais ignorá-las, é continuar ignorando, é ter ciência de tudo o que ele já disse, do que ele ainda diz e do que ele faz e, mesmo assim, seguir assinando embaixo, comungando, dizendo "amém" - e com os que seguem dizendo "amém" para a estupidez, para o capEtão, convém ter cuidado também.