21 de janeiro de 2020

dos ventos nazistas sobre o Brasil + dancinha para saudar a vida

em vídeo para divulgar concurso de arte e que gerou polêmica nos últimos dias, Roberto Alvim, o agora ex-secretário da Cultura do (des)governo Bolsonaro, parafraseou trechos de um discurso de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha nazista e ser humano muito bondoso que cometeu suicídio com sua esposa depois de matarem seus seis filhos com veneno. a música utilizada no vídeo de Alvim é a ópera Lohengrin, de Richard Wagner, que era admirado por Hitler. 

"A arte brasileira será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo, ou então não será nada", disse Alvim no vídeo. as frases de Alvim foram comparadas a um discurso de Goebbels reproduzido no livro Goebbels: a Biography, de Peter Longerich: "A arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada". posteriormente, depois de saber da repercussão negativa sobre o vídeo, Alvim cinicamente disse se tratar de uma "coincidência retórica".

nota divulgada pela Confederação Israelita do Brasil (Conib) sobre o vídeo de Alvim: "Emular a visão do ministro da Propaganda nazista de Hitler, Joseph Goebbels, é um sinal assustador da sua visão de cultura, que deve ser combatida e contida. Goebbels foi um dos principais líderes do regime nazista, que empregou a propaganda e a cultura para deturpar corações e mentes dos alemães e dos aliados nazistas a ponto de cometerem o Holocausto, o extermínio de 6 milhões de judeus na Europa, entre tantas outras vítimas. O Brasil, que enviou bravos soldados para combater o nazismo em solo europeu, não merece isso. Uma pessoa com esse pensamento não pode comandar a cultura do nosso país e deve ser afastada do cargo imediatamente."

através de um post em seu perfil no Facebook, Bolsonaro anunciou o desligamento de Roberto Alvim da Secretaria de Cultura do Governo. "um pronunciamento infeliz" de Alvim, escreveu Bolsonaro, o presidente conhecido por tantos "pronunciamentos infelizes" e que, obviamente, demitiu Alvim apenas por causa da pressão e repercussão negativa sobre o caso. ou alguém pensa que Bolsonaro realmente discorda do posicionamento de Roberto Alvim? convém sempre lembrar (e eu lembrarei sempre e principalmente enquanto Bolsonaro estiver na presidência do país) que:

- na Alemanha de Hitler, uma das frases mais repetidas era "Deutschland über alles", que quer dizer "Alemanha acima de tudo". o slogan da campanha de Bolsonaro foi: "Brasil acima de tudo. Deus acima de todos", frases que ele constantemente segue dizendo. uma mera coincidência apenas? além disso, através da frase "Deus acima de todos" é possível fazer uma conexão com o discurso feito por Bolsonaro dois anos antes de se tornar presidente e que evidencia sua sanha ditatorial: "Somos um país cristão, não existe essa historinha de Estado laico, não. É um Estado cristão. Vamos fazer o Brasil para as maiorias, as minorias têm que se curvar para as maiorias. As minorias que se adequem ou desapareçam", ou seja, não podem ter vez e voz os brasileiros ateus, agnósticos, umbandistas, budistas e tantos outros em um país (de grande diversidade de etnias, culturas, religiões, vozes) governado por alguém como Bolsonaro, que nunca foi e nem nunca será uma voz minimamente conciliadora entre tantas vozes.

- depois daquela famosa entrevista que Bolsonaro deu ao programa CQC e que, na época, em 2011, gerou muita polêmica, neonazistas organizaram um ato de defesa a ele, no MASP, em São Paulo. Bolsonaro não esteve presente, mas apoiou a manifestação. dois anos antes dessa manifestação, alguns desses neonazistas haviam participado de um atentado à bomba em uma Parada LGBT, em São Paulo, quando 40 pessoas ficaram feridas.

- na votação do impeachment de Dilma Rousseff, aquele circo de horrores e de hipocrisias, Bolsonaro parabenizou Eduardo Cunha e homenageou o coronel Brilhante Ustra, o líder das torturas na ditadura militar, "o pavor de Dilma Rousseff", como disse Bolsonaro em seu discurso. Bolsonaro exaltou Brilhante Ustra em outras ocasiões, inclusive durante entrevista no programa Roda Vida ao citar como seu "livro de cabeceira" um livro escrito por Brilhante Ustra. além de Brilhante Ustra, Bolsonaro já exaltou, em outras diversas ocasiões, inclusive mais recentemente, gente como o ditador chileno Pinochet, o ditador peruano Fujimori e o ditador paraguaio Stroessner, o pedófilo, responsáveis pelas mortes de milhares de pessoas, ou seja, Bolsonaro desliga de seu governo, apenas por pressão externa, um simpatizante nazista declarado, mas desde muito tempo tem seus ditadores de estimação - da mesma forma que ainda há muitos que admiram, por exemplo, Stalin (51 % dos russos, segundo uma pesquisa recente, além de tantas outras pessoas em vários outros lugares do mundo), Mao Tsé-Tung e vários outros, afinal há sempre em cada lado gente que, de modo seletivo, prefere ignorar atrocidades específicas que ocorreram e que ainda ocorrem no mundo.

Bolsonaro convidou a atriz Regina Duarte para assumir a liderança da Secretaria da Cultura. Regina Duarte, que compartilhou mensagem no Instagram para falar sobre o encontro entre os dois, chamou Bolsonaro de "homem santo" (agora é necessário rir por escrito: rsrsrsrsrs!). independente de quais serão as próximas cenas dessa novela, ou desse filme tragicômico, na verdade, vale a pena ver de novo algumas das cenas mais marcantes da vida real de Regina Duarte (fazer como a Dilma e saudar a mandioca? que nada! admirável mesmo é fazer uma dancinha "para saudar a vida", como diz o próprio título do vídeo, no castelo de Caras, símbolo da burguesia mais cafona que há), divirtam-se:


12 de janeiro de 2020

8 poemas de Thiago de Mello



Como um rio

Ser capaz, como um rio
que leva sozinho
a canoa que se cansa,
de servir de caminho
para a esperança.

E de levar do límpido
a mágoa da mancha,
como o rio que leva
e lava.

Crescer para entregar
na distância calada
um poder de canção,
como o rio decifra
o segredo do chão.

Se tempo é de descer,
reter o dom da força
sem deixar de seguir.
E até mesmo sumir
para, subterrâneo,
aprender a voltar
e cumprir, no seu curso,
o ofício de amar.

Como um rio, aceitar
essas súbitas ondas
feitas de águas impuras
que afloram a escondida
verdade das funduras.

Como um rio, que nasce
de outros, sabe seguir
junto com outros sendo
e noutros se prolongando
e construir o encontro
com as águas grandes
do oceano sem fim.

Mudar em movimento,
mas sem deixar de ser
o mesmo ser que muda.
Como um rio.


***


O açude

Não sei nem jamais
saberei o nome
(se acaso tem nome)
do bicho que dorme
no escuro do açude
sem fundo que sou.
Nascido, senão
comigo, de mim,
é um bicho, ou como
se fosse; e que dorme.
Nem sempre ele dorme.
Talvez o agasalhem,
de sono enrolado,
as mais fundas águas
que em minha alma dormem:
- as águas e o bicho
num sono só, feito
de grávidos nadas
espessos e imóveis.
Mas nem sempre imóveis.
Um dia estremecem:
sem causa, e de súbito,
um tremor percorre,
longínquo, levíssimo,
o nervo das águas
- essas águas fundas
que enrolam, dormidas,
o sono do bicho,
que já não é sono:
mal findo o arrepio,
começa a lavrar
o incêndio no açude.


***


O silêncio da floresta

Tem consistência física,
espessamente doce,
o silêncio noturno
da floresta.
Não é como
o do vento e vastidão,
cujos dentes de neve
morderam a minha
solidão.
Nem como o silêncio
aterrador
(no seu âmago
o tempo brilha imóvel)
do deserto chileno
de Atacama, onde,
um entardecer,
estirado entre
areia e pedras,
escutei cheio
de assombro
o latir do meu
próprio coração.

O silêncio da floresta
é sonoro: os cânticos
dos pássaros da noite
fazem parte dele,
nascem dele,
são a sua voz
aconchegante.

Sozinho no centro
da noite amazônica,
escuto o poder mágico
do silêncio,
agora quando os pássaros
conversam com as estrelas,
e recito silenciosamente
o nome lindo
da mulher que eu amo.


***


Faz escuro mas eu canto

Faz escuro mas eu canto,
porque a manhã vai chegar.
Vem ver comigo,
companheiro,
a cor do mundo mudar.
Vale a pena não dormir
para esperar
a cor do mundo mudar.
Já é madrugada, vem o sol,
quero alegria,
que é para esquecer
o que eu sofria.
Quem sofre fica acordado
defendendo o coração.
Vamos juntos, multidão,
trabalhar pela alegria,
amanhã é um novo dia.


***


Quando a verdade for flama

As colunas da injustiça
sei que só vão desabar
quando o meu povo, sabendo
que existe, souber achar
dentro da vida o caminho
que leva à libertação.
Vai tardar, mas saberá
que esse caminho começa
na dor que acende uma estrela
no centro da escravidão.
De quem já sabe, o dever
(luz repartida) é dizer.
Quando a verdade for flama
nos olhos da multidão,
o que em nós hoje é palavra
no povo vai ser ação.


***


Não aprendo a lição

A lição de conviver,
senão de sobreviver
no mundo feroz dos homens,
me ensina que não convém
permitir que o tempo injusto
e a vida iníqua me impeçam
de dormir tranquilamente.
Pois sucede que não durmo.

Frente à verdade ferida
pelos guardiães da injustiça,
ao escárnio da opulência
e o poderio dourado
cujo esplendor se alimenta
da fome dos humilhados,
o melhor é acostumar-se,
o mundo foi sempre assim.
Contudo, não me acostumo.

A lição persiste sábia:
convém cabeça, cuidado,
que as engrenagens esmagam
o sonho que não se submete.
E que a razão prevaleça
vigilante e não conceda
espaços para a emoção.
Perante a vida ofendida
não vale a indignação.
Complexas são as causas
do desamparo do povo.
Mas não aprendo a lição.
Concedo que me comovo.


***


Para os que virão

Como sei pouco, e sou pouco,
faço o pouco que me cabe
me dando inteiro.
Sabendo que não vou ver
o homem que quero ser.

Já sofri o suficiente
para não enganar a ninguém:
principalmente aos que sofrem
na própria vida, a garra
da opressão, e nem sabem.

Não tenho o sol escondido
no meu bolso de palavras.
Sou simplesmente um homem
para quem já a primeira
e desolada pessoa
do singular - foi deixando,
devagar, sofridamente,
de ser, para transformar-se
- muito mais sofridamente -
na primeira e profunda
pessoa do plural.

Não importa que doa: é tempo
de avançar de mão dada
com quem vai no mesmo rumo,
mesmo que longe ainda esteja
de aprender a conjugar
o verbo amar.

É tempo sobretudo
de deixar de ser apenas
a solitária vanguarda
de nós mesmos.
Se trata de ir ao encontro.
(Dura no peito, arde a límpida
verdade dos nossos erros)
Se trata de abrir o rumo.

Os que virão, serão povo,
e saber serão, lutando.


***


Aprendizagem no vento

O vendaval findou.
Agora é só o vento
soprando a sua ferocidade
mais fria do que a pele
enrijecida e azulada
dos operários fuzilados.

O vendaval findou.
Agora é só o vento cotidiano,
implacavelmente morno,
hálito podre.
É com ele que se tem de aprender
a lição do revés, vida vivida.

Dos tantos que saíram,
poucos, muito poucos,
se reencontrarão um dia, tomara,
naquilo que foram
ou que não puderam ser.
Por enquanto, a cordilheira transposta,
o que se alteia
é o desvario da boca,
é cada vez mais o muro
entre a boca e a mão.

Aos que sonhavam mesmo,
vendo o claro,
e que puderam permanecer
no coração ardente da sombra,
cabe o labor maior
da aprendizagem.
É aprender com tudo
o que foi feito
e também com tudo
que deixou de ser feito,
como rasgar o caminho
da esperança que lateja,
que lateja, na frágua
da paciência operária.

O vendaval findou.
Telhados ocos
não poderão
servir de abrigo
a pássaros.




o poeta e tradutor Thiago de Mello nasceu na cidade de Barreirinha, no Amazonas, em 1926. desde cedo sua obra foi marcada pela identificação com a cultura de seu estado e pelo engajamento político e social. perseguido durante a ditadura no Brasil, exilou-se no Chile, onde permaneceu por dez anos (inclusive tornando-se amigo de Violeta Parra e Pablo Neruda, que traduziu para o espanhol os poemas de Thiago de Mello). durante o exílio, morou também na Argentina, na Alemanha, na França e em Portugal. com o fim do regime militar, voltou à sua cidade natal, onde vive até hoje. 

5 de janeiro de 2020

de dentro da gaveta da alma da gente



tem bem e mal e água e sal
que chora e bota fora
um temporal daqui
de dentro da gaveta
da alma da gente

tem sim e não no coração
que o tempo da beleza
é vendaval também
lá dentro da gaveta
da alma da gente

prefiro acreditar
que ser diferente
é rir dessa tristeza
que a gente sente
e tiro da cabeça
um carnaval sem fim
linda avenida
que essa vida faz surgir

vem ver o mar ser a música
que leva o teu caminho
muito além do azul
da tela da janela
da alma da gente

cuida do grão nessa multidão
só pra lembrar que o muito
é bom trocar por um
mergulho verdadeiro
na alma da gente

se tudo acaba
feito estrela cadente,
quem pode te dizer
que, daqui pra frente,
tem hora pra chorar
ou ser feliz, me diz?
não sabe nada, nada
quem não quer sorrir

vem ver o mar, ver o sal
ver o grão, ver o não
ver o fim, ver o bem, ser feliz
vem ver o azul ser a música
ver o sim, ver o mal, ver além
vem sorrir



música, letra e voz: Fernando Temporão
imagens: Leo Bittencourt e Ava Rocha
direção e edição: Ava Rocha


2 de janeiro de 2020

para o começo (e qualquer época) do ano






fragmentos extraídos
das páginas 96 e 203
do Livro do Desassossego
Fernando Pessoa - Barueri, SP :
Ciranda Cultural Editora, 2018.

19 de dezembro de 2019

um índio

um índio descerá de uma estrela
colorida, brilhante
de uma estrela que virá
numa velocidade estonteante
e pousará no coração do Hemisfério Sul
na América, num claro instante
depois de exterminada
a última nação indígena
e o espírito dos pássaros
das fontes de água límpida
mais avançado que a mais avançada
das mais avançadas das tecnologias
virá, impávido que nem Muhammad Ali
virá que eu vi
apaixonadamente como Peri
virá que eu vi
tranquilo e infalível como Bruce Lee
virá que eu vi
o axé do afoxé Filhos de Gandhy
virá

um índio preservado
em pleno corpo físico
em todo sólido, todo gás e todo líquido
em átomos, palavras, alma, cor
em gesto, em cheiro, em sombra
em luz, em som magnífico
num ponto equidistante
entre o Atlântico e o Pacífico
do objeto, sim, resplandecente
descerá o índio
e as coisas que eu sei que ele dirá, fará
não sei dizer assim de um modo explícito
virá, impávido que nem Mohammad Ali
virá que eu vi
apaixonadamente como Peri
virá que eu vi
tranquilo e infalível como Bruce Lee
virá que eu vi
o axé do afoxé Filhos de Gandhy
virá

e aquilo que nesse momento
se revelará aos povos
surpreenderá a todos
não por ser exótico
mas pelo fato de poder
ter sempre estado oculto
quando terá sido o óbvio.


(composição e voz de Caetano Veloso
no álbum Bicho, de 1977)



15 de dezembro de 2019

Gazeta de Poesia Inédita

meu poema intitulado corrente foi publicado na Gazeta de Poesia Inédita, do poeta português José Pascoal (autor dos livros Sob Este Título, Antídotos e Excertos Incertos, todos publicados pela Editorial Minerva, de Lisboa). aos que quiserem ler meu poema inédito, eis aqui o link: