17 de outubro de 2020

Gazeta de Poesia Inédita

aos que quiserem ler a minha mais recente participação na Gazeta de Poesia Inédita, do poeta português José Pascoal (autor dos livros Sob Este Título, Ponto Infinito, Excertos Incertos, Antídotos e Branza, todos publicados pela Editorial Minerva, de Lisboa), basta que cliquem aqui: breves

14 de outubro de 2020

6 de outubro de 2020

"there's a natural mystic blowing through the air..."


(da sacada do quarto)


 "... if you listen carefully now you will hear
this could be the first trumpet
might as well be the last
many more will have to suffer
many more will have to die
don't ask me why
things are not the way they used to be
I won't tell no lie
one and all got to face reality now
though I try to find the answer
to all the questions they ask
though I know it's impossible
to go living through the past..." 

Bob Marley


2 de outubro de 2020

celebração das contradições/2




Desamarrar as vozes, dessonhar os sonhos: escrevo querendo revelar o real maravilhoso, e descubro o real maravilhoso no exato centro do real horroroso da América. 

Nestas terras, a cabeça do deus Eleguá leva a morte na nuca e a vida na cara. Cada promessa é uma ameaça; cada perda, um encontro. Dos medos nascem as coragens; e das dúvidas, as certezas. Os sonhos anunciam outra realidade possível e os delírios, outra razão.

Somos, enfim, o que fazemos para transformar o que somos. A identidade não é uma peça de museu, quietinha na vitrine, mas a sempre assombrosa síntese das contradições nossas de cada dia.

Nessa fé, fugitiva, eu creio. Para mim, é a única fé digna de confiança, porque é parecida com o bicho humano, fodido mas sagrado, e à louca aventura de viver no mundo. 



O livro dos abraços / Eduardo Galeano
tradução de Eric Nepomuceno
Coleção L&PM Pocket, 2015.

1 de outubro de 2020

27 de setembro de 2020

25 de setembro de 2020

a cor da palavra





poema de Salgado Maranhão
"Tear de prismas"
no livro A cor da palavra

23 de setembro de 2020

primavera nos dentes

 



quem tem consciência para ter coragem
quem tem a força de saber que existe
e no centro da própria engrenagem
inventa a contramola que resiste

quem não vacila mesmo derrotado
quem já perdido nunca desespera
e envolto em tempestade decepado
entre os dentes segura a primavera.




poema do poeta português João Apolinário musicado por João Ricardo
no álbum Secos & Molhados, de 1973, do grupo Secos & Molhados
vocais: Ney Matogrosso, Gérson Conrad e João Ricardo

22 de setembro de 2020

Tragédia no Pantanal - SOS Animais do Pantanal


                                                                                      ...



17 de setembro de 2020

fluxo

a árvore e o rio Mampituba


tu, testemunha serena
de pandemias
e pandemônios,
que segues cravada
ao chão movediço 
da vida em cada estação
enquanto ouves
as respostas sopradas
pelos ventos que te tocam
e observas o encontro
de tuas águas
com o sal do Atlântico,
não és (na aparente
eternidade 
que habitas),
apenas estás:
para ti também,
existir é transmutar.


5 de maio de 2020

e daí?


a capacidade de ser repugnante é algo inesgotável em Bolsonaro. alguns dias atrás, quando um jornalista fez uma pergunta sobre a quantidade de mortes por Covid-19 no Brasil até aquele momento, Bolsonaro disse que não iria falar sobre isso porque ele não é "coveiro". alguns dias depois, uma outra jornalista citou para Bolsonaro o fato de que o Brasil havia ultrapassado a China em número de casos do novo coronavírus (quase 500 mortes no país naquele dia, um único dia), e ele comentou: "E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Sou 'Messias', mas não faço milagres".

eu não deveria continuar me surpreendendo com o que sai da boca de Bolsonaro, que é uma fonte ilimitada de frases asquerosas, mas eu ainda me surpreendo, pois é impressionante perceber a ausência total de empatia - e ainda mais impressionante porque se trata de um homem que foi eleito para ser presidente de um país. milhares de pessoas morreram, outras muitas infelizmente morrerão, e é dessa forma, sem nem sequer dizer uma única frase que possa servir como algum tipo de alento, que o presidente reage ao comentar sobre a realidade de tantas pessoas que perderam amigos e familiares.

Bolsonaro fala como se não tivesse nenhuma responsabilidade pelo que está acontecendo no país, inclusive disse que não vão colocar em seu colo essa "conta". mas quem é o responsável por trazer um avião cheio de gente contaminada dos EUA? quem é o responsável por demitir o Ministro da Saúde em meio à pandemia? quem é o responsável por algumas aglomerações que aconteceram no país? quem é que foi em manifestação apertar a mão e até tossir na cara das pessoas? quem foi que tratou a pandemia como "histeria" e disse em um pronunciamento, para o país inteiro ouvir, que o novo coronavírus é apenas uma "gripezinha", um "resfriadinho"? quem estava incentivando contra o isolamento social? Bolsonaro (que é chamado de "capitão" por algumas pessoas, mas que eu prefiro chamar de capEtão) tem "Messias" no nome, mas age como Pilatos: lava as mãos pensando que pode se eximir de responsabilidades.

o que não podemos dizer sobre Bolsonaro é que ele não está sendo um presidente coerente com o modo que ele sempre se comportou enquanto era apenas um deputado que participava de programas da televisão para dizer barbaridades, e uma delas foi falar sobre "fazer um trabalho que o regime militar ainda não fez,  matar uns 30 mil". Bolsonaro não gosta de falar sobre as mortes por Covid-19 no Brasil, pois, segundo o que ele mesmo diz, não é "coveiro", mas a verdade é que para falar sobre matar ele nunca fez cerimônia, "minha especialidade é matar", frase de psicopata e que ele já disse mais de uma vez.

enquanto era apenas um deputado que participava de programas popularescos da televisão, Bolsonaro parecia ser, na minha percepção, apenas uma espécie de bufão, um personagem ridículo e caricato que, de tão absurdo, provocava risos, parecia ser, até certo ponto, inofensivo. mas a verdade é que por causa de todas essas aparições de Bolsonaro na televisão, muita gente começou a se dar conta de sua existência e, mais que isso, começou a nutrir algum tipo de identificação com ele, afinal, no Brasil, a televisão é o que exerce a influência mais forte sobre os pensamentos da maior parte da população. e o que parecia ser apenas uma piada cretina se tornou presidente do país. Bolsonaro continua sendo, para mim, uma espécie de bufão, o Bozonaro (ou o Boçalnaro), mas não pode mais ser visto apenas como uma piada, pois, agora, com tanto poder nas mãos, ele pode ser, e é, muito perigoso, inclusive para os que ainda o admiram.

foi principalmente com o discurso do "combate à corrupção" que Bolsonaro conseguiu arregimentar tantos eleitores. portanto, aos que votaram em Bolsonaro e que ainda o apoiam, convém perguntar (uma pergunta que insisto em fazer): o que vocês têm para dizer sobre o fato de Bolsonaro "mexer os pauzinhos" para blindar os filhos contra as investigações? o senador Flávio Bolsonaro teria financiado com parte do dinheiro público confiscado de salários de funcionários do seu gabinete a construção de prédios da milícia no Rio de Janeiro e lucrado com esquema ilegal e o vereador Carlos Bolsonaro é apontado no inquérito que investiga a disseminação de fake news como um dos líderes de um grupo que espalha notícias falsas pela internet e pelo WhatsApp contra opositores do presidente e contra instituições, como o STF e o Congresso Nacional.

e diante da proliferação de casos de Covid-19 no Brasil, a única preocupação de Bolsonaro tem sido com a economia. "o maior remédio pra qualquer doença é o trabalho", frase dita recentemente por Bolsonaro, o homem que foi aposentado do Exército aos 33 anos com um salário em torno de 10 mil reais, benefício ao qual já tem direito de acrescentar uma aposentadoria após 28 anos de mandato parlamentar (de aproximadamente 27 mil reais, além dos mais de 30 mil reais da presidência). e o que Bolsonaro fez de bom para o país em todos esses anos em que recebeu todo esse dinheiro? os admiradores de Bolsonaro, que geralmente também falam muito sobre trabalho (muitos dos quais recentemente participaram de carreatas contra o isolamento social), elegeram para presidente do Brasil um homem que, na verdade, passou décadas sem trabalhar e apenas "mamando nas tetas" do Estado (expressão que o próprio Bolsonaro e muitos de seus apoiadores usaram muitas vezes contra outros políticos e artistas), um homem que antes de se tornar presidente passou décadas sendo um deputado medíocre, que já dormiu de boca aberta na Câmara dos Deputados e que já disse que usava o dinheiro que recebia do auxílio-moradia para "comer gente", além de tantas outras declarações repugnantes. e o mais bizarro é que um homem que diz essas barbaridades, que exalta torturadores, foi eleito com a ajuda de uma enorme quantidade de pessoas que se dizem cristãs, penso sobre isso e sempre me vem à mente a frase que li um tempo atrás em algum canto da internet: "Eu queria entender como funciona o cérebro de uma pessoa que admira Jesus Cristo e Bolsonaro ao mesmo tempo".

muitas das pessoas que votaram em Bolsonaro para presidente e que agora se dizem decepcionadas com o (des)governo, e que se mostraram indignadas quando ele reagiu dizendo "e daí?" ao ser questionado sobre o número de mortos por Covid-19 no Brasil (e não é a primeira vez que ele utiliza essa expressão ao ser confrontado com assuntos que envolvem a sua responsabilidade), são as pessoas que sempre disseram "e daí?" sobre as barbaridades ditas por Bolsonaro antes de ele se tornar presidente, ou seja, "passaram pano" sobre todas as milhares de demonstrações de estupidez de Bolsonaro e, agora, agem como se a estupidez de Bolsonaro fosse uma novidade, provavelmente algumas dessas eram as pessoas que, no período antes das eleições presidenciais e já cantando vitória em tom de deboche contra os eleitores dos outros candidatos à presidência, diziam (fazendo um trocadilho "muito criativo" com o nome Jair Bolsonaro) frases como a seguinte: "É melhor Jair se acostumando".

agora, depois de 16 meses de desgoverno, pergunto: é melhor Jair se envergonhando? é melhor Jair se arrependendo? na verdade, já passou da hora, e ainda muito pior do que um dia ter ignorado as inúmeras demonstrações de estupidez de Bolsonaro, mas agora não mais ignorá-las, é continuar ignorando, é ter ciência de tudo o que ele já disse, do que ele ainda diz e do que ele faz e, mesmo assim, seguir assinando embaixo, comungando, dizendo "amém" - e com os que seguem dizendo "amém" para a estupidez, para o capEtão, convém ter cuidado também.

20 de abril de 2020

China, hábitos alimentares, crueldades pelo mundo e xenofobia


não há mal que para bem não sirva. apesar de tantos acontecimentos ruins durante a pandemia do novo coronavírus, tantas mortes pelo mundo, começaram a surgir, também, boas notícias: eu soube alguns dias atrás, através da ANDA (Agência de Notícias de Direitos Animais), que a China vai proibir o consumo de cães e gatos por todo o país. segundo o Ministério da Agricultura da China, a reclassificação faz parte das medidas elaboradas em resposta à Covid-19. de acordo com a Humane Society International, aproximadamente 10 milhões de cães e 4 milhões de gatos eram mortos por ano na China para consumo, inclusive animais que tinham tutores e eram sequestrados. em Yulin, cidade no sul da China, anualmente era realizado, no mês de junho, um festival de carne de cachorro.

infelizmente muitos outros animais continuarão sendo explorados para consumo, é claro, para a produção de carnes, leite, peles e remédios, na China e em muitos outros lugares do mundo, mas a atitude do governo chinês de proibir o consumo de cães e gatos representa algum avanço em relação ao bem-estar animal em um dos maiores países do mundo.

muitas pessoas se chocam com o fato de que outras tantas pessoas ainda comem carne de cachorro ou de gato em alguns lugares do mundo (não somente na China, é também uma realidade no Vietnã, na Coreia do Sul, no Tahiti, no Havaí, em uma parte da Suíça, da Índia, no norte do Canadá, em certas regiões do Alasca, da Sibéria e da Groenlândia, etc.), e se chocam com razão, porque é realmente um horror pensar que esses animais ainda sirvam de alimento para muitas pessoas. mas e quanto aos outros animais, eles não são consumidos ou de alguma forma também explorados?


tenho visto, nas últimas semanas, pessoas de diversas partes do mundo destilarem xenofobia contra os chineses. embora grande parte da população chinesa esteja consumindo anualmente o equivalente a mais de 50 bilhões de reais em alternativas à carne (afinal, na China também há muitas pessoas veganas ou vegetarianas, e muitas das quais são ativistas dos direitos animais), é claro que há muita gente naquele país que trata os bichos de forma cruel, ou que de alguma forma contribui com a crueldade (recentemente, ativistas ingleses de direitos animais divulgaram vídeos de cachorros sendo assados vivos em mercados chineses, por exemplo), mas não podemos fazer generalizações sobre os chineses ou quaisquer outros povos, afinal as generalizações são sempre ignorantes. para além disso, é uma enorme hipocrisia criticar apenas os hábitos alimentares de um país específico, mas fechar os olhos para as atrocidades que ocorrem em tantos outros países, inclusive no país em que vivemos.

no Brasil, por exemplo, país da maior empresa de carnes que existe no mundo (JBS), atualmente mais de 30 milhões de animais estão abandonados (aproximadamente 20 milhões de cães e 10 milhões de gatos). quantas são as pessoas que pensam na quantidade de cães e gatos que são vítimas de maus-tratos e assassinatos no Brasil a cada ano? e sobre os rodeios e vaquejadas? não podemos esquecer que o atual presidente do Brasil, inclusive, que sempre representou um enorme risco para os direitos dos animais, disse há alguns meses, em uma "Festa do Peão de Barretos", que tem "orgulho" de apoiar essas "festas" (para um homem que já disse, em um vídeo gravado em 2018, que caçar animais é um "esporte saudável" e que alguns anos atrás riu, em entrevista para um programa de televisão, com piadinha estúpida sobre zoofilia e dando a entender que já fez sexo com animais na juventude, é coerente que seja a favor dos rodeios e vaquejadas, não é mesmo?). e a farra do boi? embora já esteja em vigor a lei que proíbe a farra do boi, alguns moradores de Santa Catarina ainda insistem em desafiá-la. até mesmo em meio à quarentena, uma farra do boi foi registrada no município de Bombinhas. uma denúncia foi feita e o animal, apesar de ferido, foi resgatado.


e quantas pessoas no mundo sabem sobre o HORROR que acontece anualmente nas Ilhas Faroé? desde muitos séculos, há um dia do ano em que naquele lugar, que é um lugar lindo, o mar se tinge de vermelho, é o rastro do "Grindadráp", uma tradição que consiste em massacrar uma enorme quantidade de baleias e golfinhos cortando-lhes a cabeça enquanto parte da população parece assistir à matança com a maior tranquilidade (quase como se estivessem diante de uma tela de cinema assistindo a um filme e comendo pipocas). algo semelhante ocorre em Taiji, no Japão, onde anualmente milhares de golfinhos e baleias são cruelmente mortos (com a diferença de que no Japão os pescadores tomam vários cuidados para evitar que o massacre seja registrado e utilizam espécies de cortinas para impedir que as pessoas assistam ao ritual) e os sobreviventes são vendidos para parques aquáticos em todo o mundo para serem aprisionados e explorados para o entretenimento humano.

e as touradas na Espanha? apesar de já terem sido proibidas em diversas cidades, continuam acontecendo, como ainda acontecem em alguns outros países (eu evito ver esse tipo de imagens, mas, quando acontece de eu acabar vendo por alguma razão, sempre torço para os touros). e o festival de Pero Palo? em Villanueva de la Vera, na Espanha, a tradição é escolher um burro para ser agredido e apedrejado durante o festival que é realizado no Carnaval. uma multidão embriagada de homens bate, estrangula e arrasta o animal pela cidade, que é torturado de várias formas até cair e a crueldade geralmente se prolonga até a morte do animal (algo semelhante ao que acontece na farra do boi, no Brasil). e a matança de focas no Canadá (sendo a maioria filhotes)? e a "rotação de cães" na Bulgária? em Brodilovo o auge da festa Trichane Na Kuche, que acontece na Páscoa, é quando cães são amarrados em cordas e colocados por cima de um rio gelado e rodopiados com força até que caiam na água. dias antes, dão muita comida para o animal e seu ânus é tapado, só destapam antes do ritual para que o cachorro defeque enquanto gira. as pessoas que participam do ritual dizem que quanto mais o cachorro defecar, melhores serão as colheitas naquele ano.

são vários os rituais bizarros pelo mundo que envolvem muita crueldade contra os animais. a "tradição" é um dos argumentos mais utilizados na defesa da continuidade de atividades que envolvem a exploração animal para entretenimento. em nome da "liberdade cultural", perpetuam-se em muitas partes do mundo diversas atividades brutais e injustificáveis. mesmo os animais que são criados para servirem como alimento têm pouca ou nenhuma proteção contra a crueldade, vivem em condições miseráveis em fazendas industriais ao redor do mundo. para além disso, a indústria da carne tem efeitos devastadores em nosso planeta e a indústria de leite e de ovos também são nojentas e absurdas, o sofrimento dos animais é indubitável.

cada um que coma o que sua consciência lhe permitir (ou o que a falta de conscientização lhe permitir comer). não podemos é ser hipócritas e dizer que respeitamos ou amamos os animais, por exemplo, e comê-los, como muitos que dizem que amam os animas porque têm cachorros ou gatos de estimação (e que ficam chocados com o fato de cachorros, gatos e outros animais considerados exóticos serem comidos em países como a China e vários outros), mas mantêm pássaros presos em gaiolas, por exemplo, e comem partes de cadáveres de bois, porcos, frangos, perus, coelhos, cavalos, cordeiros, baleias, polvos, camarões, peixes, etc.


quanto a mim, não como nenhum tipo de carne desde 2013, mas desde muito antes eu vinha pensando sobre essa possibilidade. foi somente depois que assisti ao documentário A Carne é Fraca (produzido pelo Instituto Nina Rosa) e Terráqueos (que é bem pesado), narrado pelo ator Joaquin Phoenix, que eu eliminei definitivamente da minha vida o velho hábito de comer carnes (apesar de ter nascido em uma cidade litorânea, onde o mais comum seria existir um hábito maior de comer peixes e outros bichos do mar, sou do Rio Grande do Sul, estado que é conhecido pelo churrasco, o que significa que também pela forte influência do lugar em que fui criado eu passei grande parte da minha vida comendo em churrascarias). mas o fato de ter parado de comer carnes não significa que passei a ter uma alimentação sempre saudável, continuei comendo muitos alimentos industrializados, doces, porcarias, além de comer mais carboidratos. ter parado de comer carnes não foi, para mim, por uma questão de saúde, foi antes de tudo por causa dos animais, porque quaisquer tipos de carnes passaram a ser repugnantes para mim, a ideia de comer pedaços de bichos passou a me causar asco. recentemente, mais especificamente por causa do coronavírus, que começou a se alastrar pelo mundo, comecei, mais uma vez, a pensar com um pouco mais de seriedade em relação aos meus próprios hábitos, e não somente os alimentares, algo que, suponho e espero que sim, muitas outras pessoas pelo mundo também estão pensando e repensando sobre si mesmas nessas últimas semanas.

algumas pessoas dizem, e eu mesmo já vi algumas dizendo, que pessoas que se tornam veganas ou vegetarianas se acham "superiores" em relação aos demais. com certeza há veganos(as) e vegetarianos(as) chatos(as), que ficam constantemente cagando regras para as outras pessoas que não são veganas ou vegetarianas, que muitas vezes são extremamente chatas e desagradáveis também, afinal ser desagradável é algo que independe do tipo de alimentação que a pessoa tem. mas se tornar vegano(a) ou vegetariano(a) não tem absolutamente nada a ver com se achar uma pessoa "superior". na verdade, uma pessoa se torna vegana ou vegetariana exatamente porque ela não se acha superior aos outros seres vivos, ao contrário de muitas pessoas, e essas, sim, são as que se acham superiores, que pensam que os bichos existem apenas para que sirvam de alimento ou para que sejam de alguma forma explorados por elas, inclusive existe um termo para definir esse tipo de pensamento e comportamento, que é o "especismo", que significa utilizar uma suposta inferioridade dos demais animais para justificar um domínio sobre eles, é como o sexismo e o racismo, por exemplo, todos funcionam segundo a lógica da discriminação, seja com base em gênero, raça ou espécie.


trecho de um texto da filósofa Regina Schöpke (que compartilhei um tempo atrás aqui no blog):

"Sem dúvida, somos animais incríveis, somos os criadores dos mais belos conceitos e valores, mas também somos facilmente corrompidos pela ambição, pela ganância, pela vaidade e, para atingir nossas metas ilusórias de felicidade, usufruímos de outras vidas sem qualquer pudor. Com relação aos animais, esta realidade é ainda mais terrível, porque quase ninguém considera a sua dor, o seu sofrimento. É assim que milhões de vidas são brutalizadas, humilhadas, mortas todos os dias, sem qualquer piedade. É por isto que, mesmo quando somos vítimas, somos também responsáveis pela crueldade que nos atinge. Afinal, a crueldade, mais do que a racionalidade, tem sido o principal atributo do homem. Eis uma verdade dolorosa, mas que é preciso encarar se desejamos mudar o que precisa ser mudado. Na verdade, o homem não tem sido, nem de longe, o animal superior que julga ser."

***

demonstrando mais uma vez que o Brasil atualmente está sendo governado por gente preconceituosa e lunática, Abraham Weintraub, o atual Ministro da Educação, recentemente acusou os chineses (através de uma postagem caricata em uma rede social e usando o personagem Cebolinha, da Turma da Mônica, que fala trocando a letra R pelo L) de terem um plano para dominar o mundo por meio da disseminação da Covid-19, além de ter dito, em uma outra postagem, que os chineses "comem tudo que o sol ilumina e algumas coisas que o sol não ilumina comem também". sobre as postagens feitas pelo Ministro da Educação do Brasil, a Embaixada da China no Brasil fez o seguinte comentário: "Deliberadamente elaboradas, tais declarações são completamente absurdas e desprezíveis, que têm cunho fortemente racista e objetivos indizíveis, tendo causado influências negativas no desenvolvimento saudável das relações bilaterais China-Brasil".

em março, depois de voltar de uma viagem aos EUA, onde acompanhou Bolsonaro em um encontro com Donald Trump, o deputado Eduardo Bolsonaro disse que o coronavírus foi criado em laboratório pelo Partido Comunista da China para infectar a humanidade. indignada, a embaixada chinesa disse que o filho do presidente havia contraído um "vírus mental". por tudo isso, as relações diplomáticas entre o Brasil e a China estão estremecidas. dias atrás, uma grande quantidade de equipamentos médicos que o Brasil havia comprado da China foi desviada para os EUA, ou seja, a população brasileira, que é governada por vários desses políticos inconsequentes nos cargos mais importantes do país (principalmente o presidente, um homem que nunca soube governar nem sequer a própria língua), agora tem que arcar com as consequências.

6 de abril de 2020

29 de março de 2020

poesia em tempos de pandemia


***



poemas de Murilo Mendes (1901 - 1975)

26 de março de 2020

Sairemos da caverna num dia de sol



por Ayrton Centeno (do Brasil de Fato) 


Uma das hipóteses para a gênese do coronavírus é que ele tenha se originado no fundo de uma caverna na China. Ali, em dado instante, talvez propiciado pela presença devastadora do homem no seu ataque à natureza, o inimigo invisível que ameaça o planeta saltou do morcego para a humanidade. 

É uma cena repetida ao longo da História, sempre com a criatura humana atraída pelo desconhecido. Foi assim com o HIV, originalmente presente em chimpanzés; com o sarampo, possível legado da era inicial da pecuária bovina; e com o ebola, novamente oriundo dos morcegos. 

Nas mais de mil espécies de morcegos, o coronavírus sobrevive sem destruir seu hospedeiro, dotado de vigoroso sistema imunológico. Porém, ao deixar a caverna e trocar de anfitrião, diante de uma barreira imunológica bem mais frágil, causa estragos enormes e, eventualmente, fatais. É o que está acontecendo no Brasil em 2020, com consequências ainda em suspenso, mas com expectativas péssimas. 

Em algum ponto do passado, também nos sentimos atraídos pela caverna. Certo dia, quisemos explorá-la. É fato que houve muitas advertências. Vozes nos avisaram de que algo nos aguardava nas trevas. Não acreditamos. Os donos da verdade instalados nos seus pedestais também nada nos informaram. Limitaram-se a observar, alguns poucos, que talvez a caverna não fosse tão acolhedora. Mas emendaram que permanecer na claridade, do lado de fora da cova, também seria algo arriscado demais. Então, entramos. 

Mal demos o primeiro passo e um segundo vírus já navegava em nosso sangue. Ao contrário do corona, que prefere o aparelho respiratório, o intruso dentro de nós ataca nossa empatia, o dom da compaixão, de se enxergar o próximo. Exacerba sentimentos como o egoísmo, a cobiça, o ódio. Estimula e justifica a prática da fraude e da violência contra os mais fracos. Repele a ciência, louva a superstição e exalta a morte. Também agride de forma brutal a capacidade cognitiva do infectado, que nega a realidade, reagindo com fúria frente a tudo que ouse questionar suas convicções. 

Em 2018, ano do grande surto, a maior parte da população sofreu esse contágio. Tornou-se adicta da mentira que consumiu, celebrou e disseminou. A ação virótica exasperou fantasias, sonhos de exaltação mitológica. 

Dois anos depois, quando, aos trancos e barrancos, a nação enfrenta a covid-19, o vírus daquela outra caverna sofreu um choque de realidade. Baixou sua crista, achatou sua curva que se inclina para a parte baixa do gráfico. Mas continua ativo. 

Nossa sina é combater e derrotar ambos. Se a localização da suposta caverna chinesa é imprecisa, sabemos perfeitamente onde se situa a outra. Reside em algum lugar dentro de nós, naquele porão sinistro e íntimo onde ocultávamos nosso horror particular e havíamos acorrentados nossos monstros, agora libertados. 

Mas os dois vírus possuem o mesmo ponto fraco. Exposto ao sol, o coronavírus resiste algum tempo e morre. Aliado da escuridão, o outro vírus também sucumbe. Não suporta a claridade que permite melhor ver, distinguir e julgar as coisas. Primeiro teremos que vencer o corona. Depois, virá a vez do segundo vírus. Será uma tarefa longa, em que nos caberá produzir aquela manhã esperada, plena de sol. É ela que trará seu brilho intenso para fulminar e devolver o inimigo à caverna de onde nunca deveria ter saído. 

21 de março de 2020

hoje



Enquanto faço o verso,
tu decerto vives.
Trabalhas tua riqueza,
e eu trabalho o sangue.
Dirás que sangue é o não teres teu ouro
E o poeta te diz: compra o teu tempo
Contempla o teu viver que corre, escuta
O teu ouro de dentro. É outro o amarelo que te falo.
Enquanto faço o verso, tu que não me lês
Sorris, se do meu verso ardente
alguém te fala.
O ser poeta te sabe a ornamento, desconversas:
"Meu precioso tempo não pode ser perdido com os poetas".
Irmão do meu momento: quando eu morrer
Uma coisa infinita também morre. É difícil dizê-lo:
MORRE O AMOR DE UM POETA.
E isso é tanto, que o teu ouro não compra,
E tão raro, que o mínimo pedaço,
de tão vasto
Não cabe no meu canto.


Hilda Hilst
"Poemas aos homens do nosso tempo",
in Júbilo, memória, noviciado da paixão.
2. ed. São Paulo, Globo, 2001. 

16 de março de 2020

Irresponsável, Bolsonaro ignora coronavírus e brinca com saúde da população

(Movimentação durante manifestação pró-Bolsonaro
na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, dia 15
Imagem: Saulo Angelo/ Futura Press/ Estadão Conteúdo)


por Leonardo Sakamoto (do UOL) 


Demonstrando que sua agenda política pessoal é maior do que sua preocupação com a saúde da população, o presidente Jair Bolsonaro encontrou fãs, trocou apertos de mão, segurou celulares para selfies e elogiou que seus seguidores tenham ido aos atos contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, realizados neste domingo (15). Profissionais de saúde têm, desesperadamente, pedido às pessoas que evitem contato social a fim de retardar a pandemia de coronavírus.

Passando por cima das recomendações do próprio Ministério da Saúde, que pede a todos que tenham ido ao exterior que fiquem sete dias em suas residências, ele deixou o isolamento e foi confraternizar com seus eleitores.

O presidente da República torna-se, dessa forma, inimigo do próprio sistema de saúde do país, que tenta explicar às pessoas que elas devem evitar aglomerações a fim de reduzir a velocidade da infecção.

Tenta-se impedir um "tsunami" de gente procurando postos e unidades básicas de saúde e hospitais, tornando impossível atender aos afetados pelo Covid-19 e, ao mesmo tempo, cuidar de pacientes de outras doenças e emergências. Se os infectados vierem em "prestações", o sistema ficará menos sobrecarregado e não será necessário escolher quem será atendido ou não. Ou seja, no limite, quem vive e quem morre.

Bolsonaro prova mais uma vez que pensa somente em si, em sua família e no naco de seus fãs que pertencem à classe mais abastada. Pois se forem infectados, terão o melhor tratamento de saúde do país à sua disposição. Coisa que não vai se acontecer com quem depende do SUS, com leitos e respiradores em número insuficiente para fazer frente à crise.

O coronavírus não tem preferência por pobres ou ricos, mas o Brasil, sim, ostentando um déficit de estrutura de atendimento no sistema público, que é responsabilidade de todos os governos até agora - inclusive o dele.

"As consequências do ato de Bolsonaro hoje vão além do ataque à democracia. Trata-se de uma irresponsabilidade sem tamanho, uma ameaça à vida das pessoas, expostas a um vírus que tem matado milhares ao redor do mundo", afirmou o líder do PSB na Câmara dos Deputados, Alessandro Molon (RJ) em nota à imprensa. "É isso que acontece quando se governa pensando em concentrar e manter seu próprio poder".

Ao sair à rua, o presidente também parece rir da cara de seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que tem sido diligente e responsável em meio ao caos. Sua pasta avisou que se não forem tomadas medidas para restringir o contato social, casos vão dobrar a cada três dias.

Ao menos, seis pessoas que estavam em um evento que reuniu as comitivas de Donald Trump e de Jair Bolsonaro, na Flórida, já deram positivo para coronavírus. O primeiro teste do mandatário brasileiro, segundo ele mesmo, deu negativo - mesmo resultado de seu colega norte-americano. Mas a infecção pode produzir falsos negativos, ainda mais na fase em que está assintomática. Por isso, ele foi recomendado a monitorar a saúde e estava em isolamento.

O presidente, que chegou a conclamar as pessoas a irem às ruas para o 15 de março, acabou fazendo um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV recomendando que os organizadores adiassem as manifestações com a ampliação dos casos de coronavírus. Usou até máscara cirúrgica em uma live no Facebook, enquanto não saía o resultado do seu exame, e também desincentivou a ida ao evento. Agora, vai à rua abraçar pessoas, dar apoio a aglomerações e mau exemplo.

Toda manifestação democrática que não peça o fechamento de instituições ou a prisão de deputados, senadores e ministros do STF tem o direito de existir. O problema é que os atos foram convocados com base na premissa no, agora icônico, "foda-se" que o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, sugeriu que o presidente mandasse ao Congresso.

Em um momento em que a sociedade faz um esforço para fechar as portas das escolas, universidades, shows, eventos esportivos, cultos religiosos, e se recolher, o presidente vem à rua para apoiar que seus fãs se juntem a fim de gritar "mito". Pode ter ajudado a rifar, dessa forma, a qualidade de vida de muitos que vão passar a achar que estamos vivendo a normalidade sanitária no Brasil e repetir seu exemplo.

O governante racional assume uma posição que nem é de histeria, nem de descaso neste momento. Bolsonaro foi além,  ele objetivamente está colocando a sociedade em risco. Merece o nosso reconhecimento. Após ser o primeiro presidente no mundo a chamar uma pandemia mortal de "fantasia", agora se torna o primeiro ao agir contra o seu combate.

17 de fevereiro de 2020

redes sociais, selfies e os tempos de kardashianização

(Mona Lisa Kardashian)


embora não haja consenso sobre o impacto das redes sociais em nossas vidas e comportamentos, alguns estudos realizados por diferentes universidades do mundo concluíram, ao longo dos últimos anos, que se manter distante das redes sociais reduz sentimentos negativos e melhora nosso bem-estar. muito já foi escrito sobre a inveja, por exemplo, que uns acabam sentindo de outros, mas até hoje nunca vi alguma pesquisa ou usuário de alguma das redes sociais comentar sobre a inveja que muitas pessoas acabam sentindo até de si mesmas, inclusive, e porque provavelmente muitas das pessoas sentem, mas nem se dão conta. 

tive apenas duas breves experiências com as redes sociais: a primeira foi com o extinto Orkut, muitos anos atrás, durante alguns poucos meses, e a segunda foi, algum tempo depois (por teimosia), com o Facebook, onde mantive um perfil por apenas poucos meses também, criado em 2010, ou seja, dez anos atrás. de lá para cá, em nenhum momento pensei em voltar a fazer parte de alguma rede social, manter distância desse universo foi uma decisão definitiva.

reconheço as vantagens que as redes sociais podem nos proporcionar: reencontrar pessoas do passado que, de algum modo, foram especiais nas nossas vidas e, por que não?, podem se tornar especiais de um novo modo no presente, conhecer novas pessoas, ainda que, na maioria dos casos, isso aconteça muito superficialmente, compartilhar e absorver ideias (as que possam acrescentar algo no mínimo interessante em nossas vidas), divulgar o próprio trabalho, etc. são muitas as vantagens, mas, na minha percepção, são bem maiores as desvantagens, porque o que há de negativo se torna, cedo ou tarde, mais gritante. 

não podemos generalizar, afinal as generalizações são sempre ignorantes e é certo que há pessoas que utilizam as redes sociais de forma benéfica ou sensata, porque essas não estão lá somente para nutrir a flor do próprio umbigo, mas a maioria muitas vezes se mostra, ou se revela, na verdade, da pior maneira possível e, o que é ainda pior, parece não perceber.

porém, não são apenas os outros que, através de suas vidas editadas em fotografias de si mesmos, agem como se tivessem uma vida aparentemente perfeita. nós mesmos, também, muitas vezes acabamos agindo dessa forma, como se entrássemos em um redemoinho de autossabotagem que não é aquele onde apenas deixamos de fazer coisas produtivas por nós mesmos, mas onde, na verdade, passamos a fazer tudo em troca da aprovação alheia, como se a nossa vida se tornasse uma novela para uma plateia virtual onde os espectadores diariamente nos aplaudem e nos "curtem" apenas porque esperam, na maioria das vezes, ser aplaudidos e curtidos em suas novelas também - e ingênuas são as pessoas que pensam que esses outros se importam realmente com a vida delas.

é fato que, de um modo ou de outro, representamos certos tipos de papéis sociais, nas redes e na vida fora delas, mas também é fato que através das redes sociais é bem mais simples para qualquer pessoa aparentar ser o que quiser e, dessa forma, o risco de acabar sentindo inveja até de si mesma, ainda que sem se dar conta, é grande:

olhamos para as nossas próprias fotografias postadas nas redes sociais e pensamos: eu gostaria de ser exatamente como eu estou fazendo de conta que sou ali para todas as outras pessoas verem, eu gostaria de me olhar no espelho, quando estou longe das plateias virtuais, e enxergar exatamente a mesma imagem que compartilho nas fotografias com filtro, photoshop ou escondendo os detalhes do meu rosto e corpo que eu julgo serem defeitos, eu gostaria de ser sempre tão feliz quanto as pessoas devem achar que sou através das imagens que compartilho, do meu rosto sorridente nos lugares por onde passo, etc.

hoje em dia, se formos aos lugares mais bonitos do mundo (ou em qualquer lugar), provavelmente veremos pessoas fazendo registros fotográficos... de si mesmas. não basta mais vivermos simplesmente, do modo que quisermos, seja lá como for, não basta mais existirmos, agora é preciso provar diariamente que existimos, as fotografias de nós mesmos dão para os outros a autenticação, ainda que ilusória, de que somos sempre produtivos, sempre felizes (a tal "positividade tóxica"), saudáveis - e ao mesmo tempo sem enxergar que desenvolver um vício em se exibir diariamente em uma rede social, tornando-se escravo(a) da aprovação alheia, pode ser algo tão nocivo para a própria mente quanto usar constantemente qualquer tipo de droga lícita ou ilícita.

não vejo, sinceramente, muita diferença entre uma pessoa que constantemente se embriaga com alguma bebiba alcoólica até o ponto de começar a ser estúpida sem se dar conta, por exemplo, e uma pessoa que usa uma rede social demonstrando estar viciada em mendigar atenção e massagem no ego diariamente. na verdade, essa pessoa, em um caso assim, não está simplesmente usando uma rede social, está também sendo usada por ela.

em um mundo de pessoas com os olhares atualmente tão direcionados para si mesmas, difícil é ver quem consiga registrar, apenas com as retinas ou mesmo com uma câmera fotográfica, somente o que está ao redor, o que existe para além dos nossos umbigos. mas a carência e a necessidade de autoafirmação falam mais alto, por isso o número de "selfies" compartilhadas nas redes sociais costuma ser bem maior do que o número de outros tipos de fotografias. 


algum tempo atrás, Kim Kardashian compartilhou em seu perfil no Instagram uma "selfie" em que ela estava nua (com tarjas nas "partes íntimas") na frente de um espelho (apenas mais uma de suas milhares de "selfies", exatamente como fazem tantas e tantas outras pessoas que diariamente compartilham "selfies" pensando, provavelmente, que seus seguidores vão achar que há muita diferença entre elas). a atriz Bette Midler, que é conhecida pelo seu bom humor, comentou em seu perfil no Twitter:

"Se Kim Kardashian quer que vejamos uma parte dela que nunca vimos, ela vai ter que engolir a câmera."

cada um que se exponha da maneira que quiser, obviamente (cada um oferece, afinal, o que tem para oferecer), mesmo que seja uma exposição em que já não há mais nenhuma novidade para ninguém, mas, como diz o provérbio, quem está na chuva é para se molhar, ou seja, é preciso arcar com as consequências de uma exposição desenfreada, quem não quer ler ou ouvir nenhum tipo de crítica negativa ou ironia, que vá plantar alface na solidão de uma horta e não se expor em uma rede social aberta para o mundo inteiro ver.

quanto a mim, sempre gostei de fotografias, desde quando só era possível fazer registros fotográficos analógicos, desde quando as fotografias serviam apenas como registros para nós mesmos, inclusive tenho uma caixa com muitas fotografias guardadas em álbuns. mas aqui mesmo, neste blog (que eu não sei até quando pretendo manter, mas que mantenho ainda somente por ser um espaço mais específico para a publicação de poemas e outros textos, inclusive de outros autores, para pessoas que eu sei que terão verdadeiro interesse em ler e que não buscam apenas a superficialidade de meia dúzia de palavras como legenda para selfies ou outros tipos de fotografias), de vez em quando compartilho registros fotográficos feitos por mim, da natureza, de bichos, de cenas urbanas, grafites e qualquer coisa que contenha algum significado poético. gosto, também, de algumas selfies que vejo pelos mares da internet, algumas são imagens bonitas, interessantes.

não gosto é quando há apenas o raso discurso do "#goodvibesonly" ou "#shinyhappypeople", até porque quem mostra e espera ver nos outros apenas as luzes, o lado iluminado, geralmente se torna uma pessoa com pouca capacidade empática e, como consequência, ignora a realidade das próprias sombras e das sombras que há ao seu redor, os horrores que acontecem diariamente pelo mundo. ainda pior é quando essa falta de sensibilidade aliada ao vício de ter que estar sempre fotografando tudo, em qualquer momento, em qualquer lugar, faz com que certas pessoas percam a mínima sensatez e acabem agindo como urubus diante da carniça - embora seja uma enorme injustiça, para os urubus, compará-los com essas pessoas.


não é uma novidade o ser humano sentir prazer em observar a vida alheia (inclusive a desgraça alheia) e, principalmente, sentir-se como o centro do Universo, das atenções (desde um princípio antropocêntrico que tem levado à destruição inconsequente do meio ambiente, inclusive). mas agora, com as redes sociais, esse comportamento, de se expor tanto quanto de observar, tornou-se ainda mais simples e apenas mais evidente. eu, inclusive, poderia fazer parte das redes sociais, caso quisesse ampliar o número de leitores dos meus poemas e outros textos, por exemplo, afinal o desejo de me expressar através das palavras escritas é o que há de mais essencial em mim, desde muito tempo antes da existência das redes sociais, mas eu não me meço por números, inclusive opto, mesmo através deste blog, por não manter o espaço destinado aos "seguidores".

redes sociais servem principalmente para quem gosta de se expor e observar a vida alheia diariamente, ou, no mínimo, frequentemente, o que não é o meu caso, pois além de eu não ver sentido e não ter nenhuma necessidade em ficar compartilhando o que quer que seja diariamente, também não tenho o menor interesse em ficar dia após dia vendo o que os outros estão fazendo, pensando, comendo, bebendo, comprando, nem mesmo em relação aos meus amigos, familiares ou conhecidos.

mesmo no blog às vezes passo dias sem entrar ou sem compartilhar algum conteúdo, às vezes semanas. de qualquer modo, penso que se for para se expor, seja lá onde for e independente da frequência, a exposição só faz sentido, para mim, se for para levantar questionamentos, por exemplo, ou provocar possibilidades de tomadas de consciência sobre o mundo, sobre a vida, inclusive e especialmente a vida dos bichos e, principalmente, se for para acrescentar algo de poesia, de mais artístico no mundo. do contrário, se for para ficar apenas nutrindo a flor do umbigo ou como gente mexeriqueira que fica diariamente espiando a vida alheia na janela, não me interessa. mas, como disse anos atrás José Ângelo Gaiarsa, "a fofoca governa o mundo". o ser humano, com as redes sociais, entrou em uma "egotrip" ainda mais estranha, agora querendo justificar, como se houvesse uma conotação positiva, a seguinte velha máxima: falem bem ou falem mal, mas falem de mim.

sobre todos nós, e para todos nós, principalmente para quando estamos, ou estivermos, com nossos egos muito inflados, pensando que somos, para os outros, muito mais importantes e imprescindíveis do que o que realmente somos, dois trechos de um poema de Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa):

"(...) De que te serve
o quadro sucessivo
das imagens externas
A que chamamos
o mundo?
A cinematografia
das horas representadas
Por actores de convenções
e poses determinadas,
O circo policromo do nosso
dinamismo sem fim?
De que te serve
o teu mundo interior
que desconheces? (...)

(...) Fazes falta? Ó sombra fútil
chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes
falta a ninguém...
Sem ti correrá tudo sem ti. (...)"


ou, de um modo mais direto, mas não menos poético, uma frase de uma música que ouvi dias atrás: "Ninguém neste mundo é porra nenhuma."

2 de fevereiro de 2020

el cielo está dentro de mí

(fim de tarde) 


"(...) el cielo está dentro de uno
y está el infierno también
el alma escribe sus libros
pero ninguno los lee

a veces uno camina
entre la sombra y la luz
en la cara la sonrisa
y en el corazón la cruz

búscalo al cielo en ti mismo
que allí lo vas a encontrar
pero no es fácil hallarlo
pues hay mucho que luchar

por caminos solitarios
yo me puse a caminar
por fuera nada buscaba
pero por dentro quizás."


(Pablo del Cerro /Atahualpa Yupanqui)

26 de janeiro de 2020

Revista InComunidade

mais alguns dos meus poemas foram publicados na revista portuguesa (do Porto) InComunidade (na primeira edição de 2020, número 88). para quem quiser ler a edição da revista, eis aqui o link: 

21 de janeiro de 2020

dos ventos nazistas sobre o Brasil + dancinha para saudar a vida

em vídeo para divulgar concurso de arte e que gerou polêmica nos últimos dias, Roberto Alvim, o agora ex-secretário da Cultura do (des)governo Bolsonaro, parafraseou trechos de um discurso de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha nazista e ser humano muito bondoso que cometeu suicídio com sua esposa depois de matarem seus seis filhos com veneno. a música utilizada no vídeo de Alvim é a ópera Lohengrin, de Richard Wagner, que era admirado por Hitler. 

"A arte brasileira será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo, ou então não será nada", disse Alvim no vídeo. as frases de Alvim foram comparadas a um discurso de Goebbels reproduzido no livro Goebbels: a Biography, de Peter Longerich: "A arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada". posteriormente, depois de saber da repercussão negativa sobre o vídeo, Alvim cinicamente disse se tratar de uma "coincidência retórica".

nota divulgada pela Confederação Israelita do Brasil (Conib) sobre o vídeo de Alvim: "Emular a visão do ministro da Propaganda nazista de Hitler, Joseph Goebbels, é um sinal assustador da sua visão de cultura, que deve ser combatida e contida. Goebbels foi um dos principais líderes do regime nazista, que empregou a propaganda e a cultura para deturpar corações e mentes dos alemães e dos aliados nazistas a ponto de cometerem o Holocausto, o extermínio de 6 milhões de judeus na Europa, entre tantas outras vítimas. O Brasil, que enviou bravos soldados para combater o nazismo em solo europeu, não merece isso. Uma pessoa com esse pensamento não pode comandar a cultura do nosso país e deve ser afastada do cargo imediatamente."

através de um post em seu perfil no Facebook, Bolsonaro anunciou o desligamento de Roberto Alvim da Secretaria de Cultura do Governo. "um pronunciamento infeliz" de Alvim, escreveu Bolsonaro, o presidente conhecido por tantos "pronunciamentos infelizes" e que, obviamente, demitiu Alvim apenas por causa da pressão e repercussão negativa sobre o caso. ou alguém pensa que Bolsonaro realmente discorda do posicionamento de Roberto Alvim? convém sempre lembrar (e eu lembrarei sempre e principalmente enquanto Bolsonaro estiver na presidência do país) que:

- na Alemanha de Hitler, uma das frases mais repetidas era "Deutschland über alles", que quer dizer "Alemanha acima de tudo". o slogan da campanha de Bolsonaro foi: "Brasil acima de tudo. Deus acima de todos", frases que ele constantemente segue dizendo. uma mera coincidência apenas? além disso, através da frase "Deus acima de todos" é possível fazer uma conexão com o discurso feito por Bolsonaro dois anos antes de se tornar presidente e que evidencia sua sanha ditatorial: "Somos um país cristão, não existe essa historinha de Estado laico, não. É um Estado cristão. Vamos fazer o Brasil para as maiorias, as minorias têm que se curvar para as maiorias. As minorias que se adequem ou desapareçam", ou seja, não podem ter vez e voz os brasileiros ateus, agnósticos, umbandistas, budistas e tantos outros em um país (de grande diversidade de etnias, culturas, religiões, vozes) governado por alguém como Bolsonaro, que nunca foi e nem nunca será uma voz minimamente conciliadora entre tantas vozes.

- depois daquela famosa entrevista que Bolsonaro deu ao programa CQC e que, na época, em 2011, gerou muita polêmica, neonazistas organizaram um ato de defesa a ele, no MASP, em São Paulo. Bolsonaro não esteve presente, mas apoiou a manifestação. dois anos antes dessa manifestação, alguns desses neonazistas haviam participado de um atentado à bomba em uma Parada LGBT, em São Paulo, quando 40 pessoas ficaram feridas.

- na votação do impeachment de Dilma Rousseff, aquele circo de horrores e de hipocrisias, Bolsonaro parabenizou Eduardo Cunha e homenageou o coronel Brilhante Ustra, o líder das torturas na ditadura militar, "o pavor de Dilma Rousseff", como disse Bolsonaro em seu discurso. Bolsonaro exaltou Brilhante Ustra em outras ocasiões, inclusive durante entrevista no programa Roda Vida ao citar como seu "livro de cabeceira" um livro escrito por Brilhante Ustra. além de Brilhante Ustra, Bolsonaro já exaltou, em outras diversas ocasiões, inclusive mais recentemente, gente como o ditador chileno Pinochet, o ditador peruano Fujimori e o ditador paraguaio Stroessner, o pedófilo, responsáveis pelas mortes de milhares de pessoas, ou seja, Bolsonaro desliga de seu governo, apenas por pressão externa, um simpatizante nazista declarado, mas desde muito tempo tem seus ditadores de estimação - da mesma forma que ainda há muitos que admiram, por exemplo, Stalin (51 % dos russos, segundo uma pesquisa recente, além de tantas outras pessoas em vários outros lugares do mundo), Mao Tsé-Tung e vários outros, afinal há sempre em cada lado gente que, de modo seletivo, prefere ignorar atrocidades específicas que ocorreram e que ainda ocorrem no mundo.

Bolsonaro convidou a atriz Regina Duarte para assumir a liderança da Secretaria da Cultura. Regina Duarte, que compartilhou mensagem no Instagram para falar sobre o encontro entre os dois, chamou Bolsonaro de "homem santo" (agora é necessário rir por escrito: rsrsrsrsrs!). independente de quais serão as próximas cenas dessa novela, ou desse filme tragicômico, na verdade, vale a pena ver de novo algumas das cenas mais marcantes da vida real de Regina Duarte (fazer como a Dilma e saudar a mandioca? que nada! admirável mesmo é fazer uma dancinha "para saudar a vida", como diz o próprio título do vídeo, no castelo de Caras, símbolo da burguesia mais cafona que há), divirtam-se: