20 de abril de 2020

China, hábitos alimentares, crueldades pelo mundo e xenofobia


não há mal que para bem não sirva. apesar de tantos acontecimentos ruins durante a pandemia do novo coronavírus, tantas mortes pelo mundo, começaram a surgir, também, boas notícias: eu soube alguns dias atrás, através da ANDA (Agência de Notícias de Direitos Animais), que a China vai proibir o consumo de cães e gatos por todo o país. segundo o Ministério da Agricultura da China, a reclassificação faz parte das medidas elaboradas em resposta à Covid-19. de acordo com a Humane Society International, aproximadamente 10 milhões de cães e 4 milhões de gatos eram mortos por ano na China para consumo, inclusive animais que tinham tutores e eram sequestrados. em Yulin, cidade no sul da China, anualmente era realizado, no mês de junho, um festival de carne de cachorro.

infelizmente muitos outros animais continuarão sendo explorados para consumo, é claro, para a produção de carnes, leite, peles e remédios, na China e em muitos outros lugares do mundo, mas a atitude do governo chinês de proibir o consumo de cães e gatos representa algum avanço em relação ao bem-estar animal em um dos maiores países do mundo.

muitas pessoas se chocam com o fato de que outras tantas pessoas ainda comem carne de cachorro ou de gato em alguns lugares do mundo (não somente na China, é também uma realidade no Vietnã, na Coreia do Sul, no Tahiti, no Havaí, em uma parte da Suíça, da Índia, no norte do Canadá, em certas regiões do Alasca, da Sibéria e da Groenlândia, etc.), e se chocam com razão, porque é realmente um horror pensar que esses animais ainda sirvam de alimento para muitas pessoas. mas e quanto aos outros animais, eles não são consumidos ou de alguma forma também explorados?


tenho visto, nas últimas semanas, pessoas de diversas partes do mundo destilarem xenofobia contra os chineses. embora grande parte da população chinesa esteja consumindo anualmente o equivalente a mais de 50 bilhões de reais em alternativas à carne (afinal, na China também há muitas pessoas veganas ou vegetarianas, e muitas das quais são ativistas dos direitos animais), é claro que há muita gente naquele país que trata os bichos de forma cruel, ou que de alguma forma contribui com a crueldade (recentemente, ativistas ingleses de direitos animais divulgaram vídeos de cachorros sendo assados vivos em mercados chineses, por exemplo), mas não podemos fazer generalizações sobre os chineses ou quaisquer outros povos, afinal as generalizações são sempre ignorantes. para além disso, é uma enorme hipocrisia criticar apenas os hábitos alimentares de um país específico, mas fechar os olhos para as atrocidades que ocorrem em tantos outros países, inclusive no país em que vivemos.

no Brasil, por exemplo, país da maior empresa de carnes que existe no mundo (JBS), atualmente mais de 30 milhões de animais estão abandonados (aproximadamente 20 milhões de cães e 10 milhões de gatos). quantas são as pessoas que pensam na quantidade de cães e gatos que são vítimas de maus-tratos e assassinatos no Brasil a cada ano? e sobre os rodeios e vaquejadas? não podemos esquecer que o atual presidente do Brasil, inclusive, que sempre representou um enorme risco para os direitos dos animais, disse há alguns meses, em uma "Festa do Peão de Barretos", que tem "orgulho" de apoiar essas "festas" (para um homem que já disse, em um vídeo gravado em 2018, que caçar animais é um "esporte saudável" e que alguns anos atrás riu, em entrevista para um programa de televisão, com piadinha estúpida sobre zoofilia e dando a entender que já fez sexo com animais na juventude, é coerente que seja a favor dos rodeios e vaquejadas, não é mesmo?). e a farra do boi? embora já esteja em vigor a lei que proíbe a farra do boi, alguns moradores de Santa Catarina ainda insistem em desafiá-la. até mesmo em meio à quarentena, uma farra do boi foi registrada no município de Bombinhas. uma denúncia foi feita e o animal, apesar de ferido, foi resgatado.


e quantas pessoas no mundo sabem sobre o HORROR que acontece anualmente nas Ilhas Faroé? desde muitos séculos, há um dia do ano em que naquele lugar, que é um lugar lindo, o mar se tinge de vermelho, é o rastro do "Grindadráp", uma tradição que consiste em massacrar uma enorme quantidade de baleias e golfinhos cortando-lhes a cabeça enquanto parte da população parece assistir à matança com a maior tranquilidade (quase como se estivessem diante de uma tela de cinema assistindo a um filme e comendo pipocas). algo semelhante ocorre em Taiji, no Japão, onde anualmente milhares de golfinhos e baleias são cruelmente mortos (com a diferença de que no Japão os pescadores tomam vários cuidados para evitar que o massacre seja registrado e utilizam espécies de cortinas para impedir que as pessoas assistam ao ritual) e os sobreviventes são vendidos para parques aquáticos em todo o mundo para serem aprisionados e explorados para o entretenimento humano.

e as touradas na Espanha? apesar de já terem sido proibidas em diversas cidades, continuam acontecendo, como ainda acontecem em alguns outros países (eu evito ver esse tipo de imagens, mas, quando acontece de eu acabar vendo por alguma razão, sempre torço para os touros). e o festival de Pero Palo? em Villanueva de la Vera, na Espanha, a tradição é escolher um burro para ser agredido e apedrejado durante o festival que é realizado no Carnaval. uma multidão embriagada de homens bate, estrangula e arrasta o animal pela cidade, que é torturado de várias formas até cair e a crueldade geralmente se prolonga até a morte do animal (algo semelhante ao que acontece na farra do boi, no Brasil). e a matança de focas no Canadá (sendo a maioria filhotes)? e a "rotação de cães" na Bulgária? em Brodilovo o auge da festa Trichane Na Kuche, que acontece na Páscoa, é quando cães são amarrados em cordas e colocados por cima de um rio gelado e rodopiados com força até que caiam na água. dias antes, dão muita comida para o animal e seu ânus é tapado, só destapam antes do ritual para que o cachorro defeque enquanto gira. as pessoas que participam do ritual dizem que quanto mais o cachorro defecar, melhores serão as colheitas naquele ano.

são vários os rituais bizarros pelo mundo que envolvem muita crueldade contra os animais. a "tradição" é um dos argumentos mais utilizados na defesa da continuidade de atividades que envolvem a exploração animal para entretenimento. em nome da "liberdade cultural", perpetuam-se em muitas partes do mundo diversas atividades brutais e injustificáveis. mesmo os animais que são criados para servirem como alimento têm pouca ou nenhuma proteção contra a crueldade, vivem em condições miseráveis em fazendas industriais ao redor do mundo. para além disso, a indústria da carne tem efeitos devastadores em nosso planeta e a indústria de leite e de ovos também são nojentas e absurdas, o sofrimento dos animais é indubitável.

cada um que coma o que sua consciência lhe permitir (ou o que a falta de conscientização lhe permitir comer). não podemos é ser hipócritas e dizer que respeitamos ou amamos os animais, por exemplo, e comê-los, como muitos que dizem que amam os animas porque têm cachorros ou gatos de estimação (e que ficam chocados com o fato de cachorros, gatos e outros animais considerados exóticos serem comidos em países como a China e vários outros), mas mantêm pássaros presos em gaiolas, por exemplo, e comem partes de cadáveres de bois, porcos, frangos, perus, coelhos, cavalos, cordeiros, baleias, polvos, camarões, peixes, etc.


quanto a mim, não como nenhum tipo de carne desde 2013, mas desde muito antes eu vinha pensando sobre essa possibilidade. foi somente depois que assisti ao documentário A Carne é Fraca (produzido pelo Instituto Nina Rosa) e Terráqueos (que é bem pesado), narrado pelo ator Joaquin Phoenix, que eu eliminei definitivamente da minha vida o velho hábito de comer carnes (apesar de ter nascido em uma cidade litorânea, onde o mais comum seria existir um hábito maior de comer peixes e outros bichos do mar, sou do Rio Grande do Sul, estado que é conhecido pelo churrasco, o que significa que também pela forte influência do lugar em que fui criado eu passei grande parte da minha vida comendo em churrascarias). mas o fato de ter parado de comer carnes não significa que passei a ter uma alimentação sempre saudável, continuei comendo muitos alimentos industrializados, doces, porcarias, além de comer mais carboidratos. ter parado de comer carnes não foi, para mim, por uma questão de saúde, foi antes de tudo por causa dos animais, porque quaisquer tipos de carnes passaram a ser repugnantes para mim, a ideia de comer pedaços de bichos passou a me causar asco. recentemente, mais especificamente por causa do coronavírus, que começou a se alastrar pelo mundo, comecei, mais uma vez, a pensar com um pouco mais de seriedade em relação aos meus próprios hábitos, e não somente os alimentares, algo que, suponho e espero que sim, muitas outras pessoas pelo mundo também estão pensando e repensando sobre si mesmas nessas últimas semanas.

algumas pessoas dizem, e eu mesmo já vi algumas dizendo, que pessoas que se tornam veganas ou vegetarianas se acham "superiores" em relação aos demais. com certeza há veganos(as) e vegetarianos(as) chatos(as), que ficam constantemente cagando regras para as outras pessoas que não são veganas ou vegetarianas, que muitas vezes são extremamente chatas e desagradáveis também, afinal ser desagradável é algo que independe do tipo de alimentação que a pessoa tem. mas se tornar vegano(a) ou vegetariano(a) não tem absolutamente nada a ver com se achar uma pessoa "superior". na verdade, uma pessoa se torna vegana ou vegetariana exatamente porque ela não se acha superior aos outros seres vivos, ao contrário de muitas pessoas, e essas, sim, são as que se acham superiores, que pensam que os bichos existem apenas para que sirvam de alimento ou para que sejam de alguma forma explorados por elas, inclusive existe um termo para definir esse tipo de pensamento e comportamento, que é o "especismo", que significa utilizar uma suposta inferioridade dos demais animais para justificar um domínio sobre eles, é como o sexismo e o racismo, por exemplo, todos funcionam segundo a lógica da discriminação, seja com base em gênero, raça ou espécie.


trecho de um texto da filósofa Regina Schöpke (que compartilhei um tempo atrás aqui no blog):

"Sem dúvida, somos animais incríveis, somos os criadores dos mais belos conceitos e valores, mas também somos facilmente corrompidos pela ambição, pela ganância, pela vaidade e, para atingir nossas metas ilusórias de felicidade, usufruímos de outras vidas sem qualquer pudor. Com relação aos animais, esta realidade é ainda mais terrível, porque quase ninguém considera a sua dor, o seu sofrimento. É assim que milhões de vidas são brutalizadas, humilhadas, mortas todos os dias, sem qualquer piedade. É por isto que, mesmo quando somos vítimas, somos também responsáveis pela crueldade que nos atinge. Afinal, a crueldade, mais do que a racionalidade, tem sido o principal atributo do homem. Eis uma verdade dolorosa, mas que é preciso encarar se desejamos mudar o que precisa ser mudado. Na verdade, o homem não tem sido, nem de longe, o animal superior que julga ser."

***

demonstrando mais uma vez que o Brasil atualmente está sendo governado por gente preconceituosa e lunática, Abraham Weintraub, o atual Ministro da Educação, recentemente acusou os chineses (através de uma postagem caricata em uma rede social e usando o personagem Cebolinha, da Turma da Mônica, que fala trocando a letra R pelo L) de terem um plano para dominar o mundo por meio da disseminação da Covid-19, além de ter dito, em uma outra postagem, que os chineses "comem tudo que o sol ilumina e algumas coisas que o sol não ilumina comem também". sobre as postagens feitas pelo Ministro da Educação do Brasil, a Embaixada da China no Brasil fez o seguinte comentário: "Deliberadamente elaboradas, tais declarações são completamente absurdas e desprezíveis, que têm cunho fortemente racista e objetivos indizíveis, tendo causado influências negativas no desenvolvimento saudável das relações bilaterais China-Brasil".

em março, depois de voltar de uma viagem aos EUA, onde acompanhou Bolsonaro em um encontro com Donald Trump, o deputado Eduardo Bolsonaro disse que o coronavírus foi criado em laboratório pelo Partido Comunista da China para infectar a humanidade. indignada, a embaixada chinesa disse que o filho do presidente havia contraído um "vírus mental". por tudo isso, as relações diplomáticas entre o Brasil e a China estão estremecidas. dias atrás, uma grande quantidade de equipamentos médicos que o Brasil havia comprado da China foi desviada para os EUA, ou seja, a população brasileira, que é governada por vários desses políticos inconsequentes nos cargos mais importantes do país (principalmente o presidente, um homem que nunca soube governar nem sequer a própria língua), agora tem que arcar com as consequências.

6 de abril de 2020