31 de dezembro de 2018

30 de dezembro de 2018

essência

1 - se
fode
se
não
fode
se
come
se
não
come
a
moral
não
se
encontra
abaixo
da
cintura
entre
as
pernas

dizia
Elke
Maravilha
- perguntem
sobre
a
alma
das
pessoas.


2 - ninguém
é unilateral:
todos
temos
pelo
menos
dois
lados:
o
mesmo
do
cu
outro
da
buceta
ou
do
pau
mas
ainda
um
de
dentro
onde
não
cabe
brasão 
nem
emblema
rótulo
etiqueta
dístico
teorema
é
que
- antes
de
tudo -
ninguém
a
ninguém
é
igual.

28 de dezembro de 2018

se fosse o inverso


por Natasha Romanzoti - HypeScience
imagens Bored Panda

Imagine um universo paralelo onde os animais são as espécies dominantes e eles tratam a raça humana da forma como nós os tratamos agora. É um pensamento muito assustador, não? Pensamento, aliás, que foi ilustrado por diversos artistas em imagens chocantes. A lista abaixo foi compilada pelo site Bored Panda. O tema da série são ilustrações projetadas para nos fazer pensar de forma diferente sobre a maneira como lidamos com os animais. Nelas, os papéis são invertidos, e os seres humanos é que são o alvo de algumas das coisas mais horríveis que fazemos com nossos colegas de planeta Terra.




















23 de dezembro de 2018

submersivo

deixo-lhes aqui três vídeos da Anjali, atriz, escreve poemas e uma pessoa de humor e sensibilidade singulares, minha amiga mais antiga (da época em que algumas pessoas ainda se correspondiam através de cartas escritas à mão, costume que ela e eu mantivemos entre nós durante muito tempo). a gravação de "Baiae", o primeiro vídeo, foi feita por mim em uma das praias da minha cidade e na minha casa - texto de Anjali, edição de vídeo de Suelem Freitas e edição de áudio de Jefereson Vinod Garcia.


*


*


21 de dezembro de 2018

máxime

(na Praia da Cal)


o mar já estava aqui antes de mim. sagrado é poder abrir os olhos - vejo apenas existência, transitoriedade, exuberância inata, intrínseca em mudanças incessantes. pertenço ao universo - capaz de bastar a si mesmo (quem diz crer em deus, mas não o vê no mar, não o verá em nenhum livro).

19 de dezembro de 2018

Estrela Ruiz Leminski e Téo Ruiz: "Filho de Santa Maria"


Aqui tô eu pra te proteger
dos perigos da noite e do dia
Sou fogo, sou terra, sou água, sou gente
Eu também sou filho de Santa Maria

Se dona Maria soubesse
que o filho pecava
E pecava tão lindo
Pegava o pecado, deixava de lado
E fazia da Terra uma estrela sorrindo

Hoje eu saí lá fora
Como se tudo já tivesse havido
Já tivesse havido a guerra
A festa já tivesse havido
E eu fosse puro espírito


(Paulo Leminski)

16 de dezembro de 2018

É no ínfimo que eu vejo a exuberância


Mosca dependurada na beira de um ralo -
Acho mais importante do que uma joia pendente.

Os pequenos invólucros para múmias de passarinhos
que os antigos egípcios faziam
Acho mais importante do que o sarcófago de Tutancâmon.

O homem que deixou a vida por se sentir um esgoto -
Acho mais importante do que uma Usina Nuclear.
Aliás, o cu de uma formiga é também muito mais importante
do que uma Usina Nuclear.

As coisas que não têm dimensões são muito importantes.
Assim, o pássaro tu-you-you é mais importante por seus pronomes
do que por seu tamanho de crescer.

É no ínfimo que eu vejo a exuberância.


Manoel de Barros.
Poesia completa - São Paulo: LeYa, 2013.


(imagem: Raul Branco)

15 de dezembro de 2018

coração

sobre o lado
esquerdo
do peito,
não tem jeito:
escrevem por aí
a torto e a direito.

13 de dezembro de 2018

azulcinação





pelos céus
pelos oceanos
água-viva da lua
cirurgião-patela
(Dory a nadar)
pinguim-fada
gaio e garça
ararinha: azul
em extinção
que também voa

Yves Klein (cor
patenteada):
1001 balões
de gás hélio
no céu de Paris
e antropometria
- azul calcinha sem

Picasso, um período

ciano e magenta
em sobreposição
= casa da Frida
Kahlo: cobalto

cerúleo
cárdeo
celeste

safira
azurita
tanzanita
chacantita
labradorita
água-marinha:
tons endurecidos

no espaço
Netuno, Urano
Terra - água
transparente
do alto é azul

e o mar
pouco
a pouco
engolindo
Tuvalu
e Kiribati

enquanto
isso, no Brasil
Roberto Carlos
melosamente
ainda canta
os detalhes
tão pequenos
de nós dois.



(imagem: Yves Klein)

11 de dezembro de 2018

Manchinha



O caso da cadela Manchinha, que morreu depois de ter sido envenenada e cruelmente agredida com uma barra de metal por um segurança (asqueroso) do supermercado Carrefour, em Osasco (SP), ganhou enorme repercussão nacional. Eu fiquei dilacerado quando soube do caso, ainda mais depois que vi as fotos, essa em que ela ainda estava viva e aparentemente bem, linda com as patinhas cruzadas e olhando fixamente para a câmera de quem a fotografou, e outra em que ela estava envolta em sangue, uma imagem horrível. Fui pesquisar mais sobre o caso e descobri que esse não é um caso isolado, há um histórico de mortes de animais nas unidades do Carrefour e até mesmo um caso grave de racismo contra um homem negro ocorrido há alguns anos, na mesma unidade em Osasco, quando ele foi espancado por seguranças no estacionamento acusado de roubar o próprio carro, felizmente um tempo depois ele recebeu indenização da empresa. Mas a cadela Manchinha não teve a mesma sorte de poder seguir viva, assim como os outros animais (li sobre suspeitas de alguns funcionários de diferentes unidades do Carrefour já terem envenenado pombos, gatos abandonados e um caso mais recente, ocorrido por volta de um mês atrás, no Carrefour da Rodovia Raposo Tavares, São Paulo, em que um cachorro abandonado foi morto com chutes). 

Não faço parte de nenhuma rede social, mas soube que o caso da Manchinha rendeu as mais diversas manifestações. Gente indignada, e com razão de estar, e gente estúpida e insensível menosprezando a crueldade do caso. Eduardo Bosta, por exemplo, aquele cantor sertanejo mais conhecido como Eduardo Costa, que ficou rico cantando e compondo aquelas músicas horrorosas, deu a entender que a comoção das pessoas sobre o caso era "mimimi", comparando o caso da cadela Manchinha com o caso de uma senhora de mais de cem anos de idade que foi recentemente assassinada de forma igualmente cruel. Sim, um assassinato horrível de uma senhora já bem idosa, mas o caso da cadela Manchinha, certamente por ter sido registrado em vídeo, acabou ganhando mais destaque, e não é por se tratar de uma cadela que isso deve ter menos relevância ou ser tratado com menosprezo. Sobre o caso da senhora cruelmente assassinada, Eduardo Bosta disse que ninguém comentou, que aí, nesse caso, não houve comoção alguma, mesmo ela sendo um ser humano e não "apenas" um animal. Alguém na internet indagou: "e o Eduardo Costa por acaso em algum momento disse algo quando essa senhora foi assassinada?". Claro que não. Ele só foi comentar algo sobre o caso dessa senhora depois de ver que todos estavam comentando sobre o caso da cadela Manchinha, assim aproveitando a oportunidade para ganhar atenção com as estupidezes que ele costuma dizer.

Outro Eduardo que eu soube que gravou um vídeo comentando o caso da Manchinha foi o Eduardo Bolsonaro, o filho do nosso novo presidente "Bozonaro". Não vi o vídeo, não tenho o menor interesse em ver qualquer coisa que esse idiota tenha para dizer, soube apenas que ele se mostrou indignado com o caso da Manchinha. Mas, não esqueçamos, o Bozonaro pai disse um tempo atrás, não muito tempo, e isso está registrado em vídeo também, que a caça aos animais (e falando dos animais de uma forma geral mesmo) é um "esporte saudável" e que, se ele se tornasse o novo presidente (o que logo vai se tornar um fato), a caça aos animais teria "burocracia zero" no Brasil. Bozonaro filho é daqueles filhos que dizem amém para qualquer coisa que o papai diga, e sobre esse assunto da caça aos animais não deve ser diferente. Para ele, a morte da Manchinha, especificamente, que causou enorme repercussão, foi motivo de indignação, mas em relação aos outros animais, os milhares que são mortos diariamente e que ninguém sabe porque não acabam em fotos em redes sociais, nos jornais, etc., esses tantos que são diariamente agredidos, anonimamente mortos, aí esses que se danem, né?

Dois Eduardos e ambos representam, de diferentes formas, o pensamento de muitas e muitas pessoas. Um fala sobre a crueldade contra uma cadela como se isso fosse algo que deveria ser tratado com menor importância e o outro se mostra indignado sobre o caso, mas ignora os tantos outros casos igualmente cruéis que acontecem todos os dias em todos os cantos do país (somente em São Paulo, a maior cidade do Brasil, houve, neste ano, desde janeiro até o final de novembro, aproximadamente 25 denúncias de maus-tratos contra animais por dia, a cada dia do ano, fora os tantos outros casos em todos os outros lugares do Brasil e que, na maioria das vezes, não vêm à tona, ninguém acaba sabendo). 

Há muitas pessoas que pensam que lutar pela causa dos animais, ser ativista, ou mesmo se indignar com esses casos horríveis que acontecem, é quase como se fosse uma futilidade, algo irrelevante, são pessoas que geralmente pensam que os bichos nascem somente para servirem como alimento (e os que não servem para isso, como os cachorros e gatos abandonados, por exemplo, são apenas como sujeiras das ruas). Li em algum lugar, agora não me recordo exatamente onde, uma pessoa comentando algo mais ou menos assim: "muitas dessas pessoas que estão por aí se dizendo chocadas com a morte da cadela no Carrefour, indignadas, saem do próprio mercado com as mãos cheias de sacolas com pedaços de cadáveres de peixes, frangos, porcos, bois..." É verdade, em geral as pessoas nem sequer pensam que os animais que elas comem, além de muitas vezes terem tido uma vida cruel, sendo tratados como máquinas enquanto vivos, também foram mortos de uma forma cruel (e essa é uma das razões pelas quais já faz alguns anos que eu deixei de sair dos mercados com pedaços de qualquer tipo de cadáveres nas sacolas). "Mas e as milhares de pessoas que foram assassinadas no Brasil somente nesse ano, as crianças que vivem nas ruas, etc.?", muitos indagam na tentativa de diminuir o horror que acontece diariamente também com os bichos em todas as partes do mundo (com a diferença de que o número de animais mortos diariamente em casos de agressão, em matadouros, em laboratórios, nos oceanos, etc., é absurdamente maior, e eu sempre me pergunto: o que será que fazem para ajudar alguém essas pessoas que, quando acontece um caso como esse da Manchinha, falam como se a violência cruel contra um bicho fosse algo menos relevante?). Neste lugar em que vivemos, sobre o qual pisamos, que chamamos de Terra, isso que chamamos de empatia deve ser, ou deveria ser (porque na verdade não é), algo sentido e exercido em relação a todos os seres, não somente aos humanos. 


Deixo aqui um trecho de um poema do Maiakóvski: 


"(...) Pois, tomai-me para
guarda dos bichos. 
Gosto deles.
Basta-me ver um desses
cães vadios,
como aquele de junto à
padaria,
um verdadeiro vira-lata!
e, no entanto,
por ele
arrancaria meu próprio
fígado: 
Toma, querido, 
sem cerimônia, come!"

8 de dezembro de 2018

horizontes II


cor da linha do horizonte
onde áfricas escondem-se,
não vejo a tez: rosa, preta
laranja, amarela
são só talvez
(à espera
de alumbramentos,
eu canto, eu canto
porque o instante existe)

7 de dezembro de 2018

sobre as dúvidas

há certezas que enferrujam
as juntas, são mal-humoradas,
sofrem de dores lombares.
quem pensa estar sempre certo,
está equivocado
(não vai além das bordas)
prefiro amolecer as dobras
transbordando dúvidas
e com perguntas expandir a alma
para que nela caiba mais mundo.

5 de dezembro de 2018

no jornal Zero Hora



mais um poema meu foi publicado no jornal Zero Hora (quarta-feira, dia 5),
dessa vez o poema "dos devires":


nada é. 
tudo está. 
as chagas, as árvores, 
as fachadas das casas, 
das igrejas, 
os lençóis sujos dos puteiros, 
a saliva dos monges, 
as línguas bifurcadas das cobras, 
dos seres vivos
à matéria inorgânica, 
tudo denuncia
a passagem do tempo:
existir é transmutar. 

2 de dezembro de 2018

um naco de simplicidade


benditos os que fazem
o almoço de domingo
enquanto cantam, dançam
e riem de si mesmos
ouvindo qualquer estação
mais popular de rádio,
os que nem estão pensando
em dizer nada de mais,
nada de muito eloquente,
nada de grandiloquente,
nada de impressionante,
apenas sentindo o cheiro
da cebola fritando no óleo
enquanto o cachorro e o gato
correm da sala para a rua.

benditos os que
nem se pensam poetas
- ou não se sabem -,
mas que veem poesia
onde quase ninguém
mais consegue,
olham além da janela
enquanto cozinham
e percebem que o sol
não é apenas
uma bola amarela no céu,
notam sempre todos
os desenhos feitos
por todas as nuvens
e não perdem a capacidade
de serem surpreendidos por elas
porque não estão olhando somente
para dentro de si mesmos
- transparentes para que não
possam ser manchados, vivem.


(imagem: JMW Turner)