14 de junho de 2021

o pequeno pássaro


no dia 3 de março deste ano, por volta das 5 horas da tarde, eu havia acabado de deitar no chão do meu quarto com o meu cachorro quando ouvi o som de um pássaro que parecia estar bem próximo da porta da sacada. pensei, em um primeiro momento, que fosse apenas mais um dos muitos pássaros que constantemente pousam sobre a sacada do meu quarto e que logo voam quando eu me aproximo. abri apenas um pouco a porta, com calma, e vi através da fresta: um pequeno pássaro parado no chão da sacada. ele não se movimentava, mas seguia emitindo o mesmo som, como se estivesse querendo dizer algo. abri um pouco mais a porta e fiquei atrás dela durante uns dois ou três minutos apenas observando aquele pequeno pássaro que parecia já ter notado a minha presença e sem se assustar com isso. comecei a ter a forte impressão de que aquele pequeno pássaro estava ali mais me observando do que sendo observado por mim.

depois de mais alguns minutos, abri a porta totalmente e me aproximei daquele pequeno pássaro, que seguiu parecendo não ter medo da minha aproximação e ainda emitindo seu som como se quisesse dizer algo. pensei, então, que ele poderia estar de algum modo machucado, com algum problema nas asas, ou em alguma outra parte do seu pequeno corpo, e o que até então era apenas um momento meu de admiração por aquele pássaro começou a se transformar em um sentimento de aflição, de preocupação, afinal eu não sabia o porquê de aquele pequeno pássaro, apesar de aparentemente bem, estar imóvel daquela maneira e emitindo aquele som há alguns longos minutos. pensei, também, que ele pudesse estar apenas querendo descansar por um tempo sobre o chão da sacada do meu quarto e que em algum momento ele iria voar, ir embora.

peguei um pouco de água com um copo e joguei com calma a água no chão para que ela escorresse até perto de onde ele estava, imaginei que a água, se ele realmente bebesse um pouco ou mesmo que se apenas molhasse o bico, poderia fazer algum bem para ele. quando a água começou a se aproximar dele eu vi que ele ficou curioso olhando de lado o caminho que a água fazia enquanto escorria pelo chão e em seguida ele começou a dar umas bicadas no chão para beber a água. pensei que ele pudesse estar com fome também e decidi procurar algo para ele comer, ainda que naquele momento eu não fizesse ideia do que poderia servir de alimento. vi sobre a mesa da cozinha o pão integral e decidi pegar um pequeno pedaço de uma das fatias e fazer farelo, que coloquei ao lado do pequeno pássaro e que ele começou a comer no mesmo instante. por um momento, senti um pouco de alívio ao pensar que eu estava de algum modo matando a sede e a fome daquele bichinho.

fiquei mais alguns minutos observando o pássaro e depois voltei para dentro de casa. deixei a porta apenas um pouco aberta, com uma pequena fresta, para que meu cachorro não saísse, e fui fazer outras coisas. de vez em quando eu voltava para o quarto e observava por entre a fresta da porta para ver se o pequeno pássaro ainda estava lá, e em todas as vezes ele estava no mesmo exato lugar. a noite chegou e depois de algum tempo o pequeno pássaro foi para o outro lado da sacada, ainda em pé sobre o chão, e ficou como se estivesse com o bico encostado na parede. pensei que ele poderia estar dormindo, talvez ainda descansando, qualquer coisa assim, e segui de vez em quando observando aquele pequeno pássaro pela fresta da porta, pensando ainda que talvez em algum momento ele iria voar, ir embora. 

tenho o costume de deixar a porta da sacada aberta para que meu cachorro saia sempre que ele sentir necessidade, mas como o pássaro não saía de lá e ao mesmo tempo percebi que meu cachorro já poderia estar querendo sair, decidi pegar uma caixa de sapatos, botar um pano fino sobre o fundo da caixa, pegar o pequeno pássaro e colocá-lo com calma dentro da caixa sem tampa que deixei sobre uma cadeira que há na sacada. pelas horas seguintes, até o momento em que fui dormir, observar aquele pequeno pássaro se tornou, então, quase uma obsessão para mim, quase como se eu tivesse que cuidar de um bebê recém-nascido dormindo em um berço. antes de ir dormir, já bem tarde, observei mais uma vez o pequeno pássaro e ele ainda estava na mesma posição dentro da caixa, como se ainda estivesse dormindo. toquei levemente em suas asas, como se fizesse um carinho com a ponta do dedo, e fui deitar para tentar dormir, apesar da minha ansiedade por não saber exatamente o que estava acontecendo com aquele pássaro e se ele ficaria bem até o momento em que eu acordasse, se ele ainda estaria ali... 

pela manhã, a primeira coisa que fiz depois de acordar foi levantar e ir olhar dentro da caixa. o pequeno pássaro estava deitado, morto. senti naquele momento uma tristeza como se eu tivesse perdido um bicho de estimação que há muito tempo fazia parte da minha vida, e pelos minutos seguintes vários pensamentos começaram a ecoar na minha mente: será que esse pássaro talvez tivesse alguma noção de que iria morrer e apenas por coincidência acabou pousando exatamente na sacada do quarto de uma pessoa que ama pássaros? com tantas sacadas para ele pousar na cidade, na avenida em que moro, e até mesmo no prédio, será que foi apenas uma espécie de acaso da vida ele ter pousado exatamente na minha sacada e quase no mesmo momento em que eu havia deitado no chão ao lado da sacada? será que esse pequeno pássaro estava apenas procurando algum lugar tranquilo em que pudesse passar suas últimas horas de vida ou quis, também, de algum modo, com o que lhe restava de vida até mesmo me dizer algo sobre a minha própria vida? por que não? algumas horas depois, quando a noite já havia chegado, fui com o meu cachorro procurar algum lugar em que eu pudesse enterrar aquele pequeno pássaro.

para além das muitas perguntas que me fiz naquele momento em que encontrei o pequeno pássaro morto, e que às vezes ainda me faço desde aquele dia, sei, porque sinto, que as horas em que aquele pequeno pássaro esteve ao meu lado me transformaram de algumas maneiras através da minha admiração por ele, dos meus olhos que se encheram daquela beleza pura, afinal, como Manoel de Barros escreveu em um poema, "é no ínfimo que eu vejo a exuberância".



20 comentários:

  1. São mensagens :) digo eu, que tenho a mania de dizer coisas

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  2. Breve crónica del partir definitivo, de un pájaro cantarín que te robó tu atención y de paso la nuestra.

    Un abrazo.

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  3. As realidades que se apresentaram naqueles momentos de encontro com o pássaro foram criadas por ti, gerando uma série de pensamentos e sentimentos que com certeza modificaram teu ser em diversos níveis, um presente. Somos 100% responsáveis pelas situações e pessoas que partilham conosco - mesmo que em ínfimas oportunidades - as infinitas possibilidades de transformação da existência. A impermanência - bela e exuberante - de uma pequena fagulha de luz à qual chamamos vida e que é constante expansão. bjbj

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  4. É a natureza e os seus mistérios, que nos admiram e nos fazem interrogar.
    Abraço amigo.
    Juvenal Nunes

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  5. Quando se faz tudo o que está ao nosso alcanço apesar de o final ser trágico, é de ficarmos em paz com a nossa consciência.
    Um abraço e boa semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    O prazer dos livros

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  6. Que lindo relato, pena o final. Mas crio ele veio te fazer companhia e deixar algum recado que ainda hás de descobrir...abração,chica

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  7. Saí a meio do teu texto porque me trouxeste a urgência de escrever.
    O pássaro saiu da vida com toques de carinho. Tocante!

    Beijos, Ulisses.

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  8. Concordo com a Chica, que relato lindo, Ulisses! Mas acredito que desde lá você com sua grande sensibilidade já deve ter entendido alguns significados desse encontro. E você escreve de uma maneira tão envolvente que enquanto eu lia o texto eu tinha a sensação de estar observando esse pássaro lindo e sendo observado por ele também! Um abraço.

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  9. Bonita crónica, que me deixou triste, pelo seu desfecho.
    Acho que ele devia estar magoado e arranjou um sítio bom para voar para o céu.
    Você lhe deu um momento de conforto.
    Gostei de ler e a foto está optima.
    Tenha uma semana abençoada com muita saúde.
    Beijinhos
    :)

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  10. Simplesmente adorei o seu relato!!
    A verdade é que o pequeno pássaro sabia que o dono daquela casa tem bons sentimentos. Quem se deita ao chão com o cachorro de estimação, certamente iria acolher o pequenino visitante em seus últimos momentos. Eu sei e o pássaro sabia também.
    "é no ínfimo que eu vejo a exuberância". Beijo carinhoso.

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  11. Una historia conmovedora, tierna, decimos triste porque como humanos no tenemos la aceptacion de la muerte como algo natural y simple.
    Me sugiere pensar que buscaba el mejor sitio para sentirse cuidado, amado, protegido antes de finalmente descansar en paz, y por supuesto lo encontró.
    el mensaje tambien esté implicito si sabemos leer entre lineas.
    Un abrazo grande y feliz martes.

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  12. Deixei-me embalar pelas suas palavras, sentindo também carinho pelo pequenino ser.
    Devia estar doente, felizmente encontrou em si um amigo que o acarinhou nos seus últimos momentos.
    Triste, tocante e muito comovente.


    Um abraço !

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  13. Hermosa historia con triste final. Cosas que pasan por alguna razón.... Saludos amigo.

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  14. Todo tipo de vida nos ensina, Ulisses, fiquemos atentos para os significados, do quanto um olhar pode mudar nossas vidas.
    O pássaro era tão lindinho...Desde menina reconheci os olhares de cada cachorro meu quando estava peto do fim, eles falam e muito, um adeus cheio de gratidão e afeto.
    Seu texto me emocionou.
    Abraço!

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  15. Uma história muito bela e ao mesmo tempo triste. A realidade da vida é isso: tudo tem um fim.

    Beijinhos.

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  16. Eu encontrei um pardal no chão e que não fugia, só olhava para mim. Como estava em frente a uma janela, imaginei que teria batido no vidro e que estaria meio grogue. Deitei-lhe água por cima e ele reanimou, sacudiu as penas e voou.
    Talvez tivesse acontecido o mesmo com o seu pequeno pássaro, mas as lesões que sofreu terão sido mais graves. Ou então escolheu a sua varanda para morrer...
    Bom fim de semana, caro Ulisses.
    Abraço.

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  17. Um pássaro ferido ou que perdeu o sentido do voo. Uma história triste e muito bem contada.
    Uma boa semana com muita saúde.
    Um beijo.

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  18. Muita sensibilidade neste relato algo triste, mas numa prosa muito pura.
    Bjs

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  19. Los animales son sensibles aunque los hay que creen que no. También pasa con las personas, que las hay que no la tienen ni la tendrán nunca.
    El pajarito buscó un buen lugar donde descansar, donde dejar de respirar. Encontró en ti un amigo.
    Besos.

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  20. Ele escolheu uma pessoa que se importou com ele... de uma certa forma... ele não partiu completamente, enquanto for lembrado!... E acho que é isso... ele voará em ti e através de ti... por isso, a vida dele não terá sido em vão... agora tens de ser tu a voar por ele!...
    Adorei esta história tão bonita e tocante! Nenhuma despedida definitiva é alegre... mas creio que pressupõem sempre outro começo... outro recomeço... outra forma de estar... o que para ti foi visto com um fim... para o passarito, talvez tenha sido o início de um belo voo...
    Beijinhos
    Ana

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