O caso da cadela Manchinha, que morreu depois de ter sido envenenada e cruelmente agredida com uma barra de metal por um segurança (asqueroso) do supermercado Carrefour, em Osasco (SP), ganhou enorme repercussão nacional. Eu fiquei dilacerado quando soube do caso, ainda mais depois que vi as fotos, essa em que ela ainda estava viva e aparentemente bem, linda com as patinhas cruzadas e olhando fixamente para a câmera de quem a fotografou, e outra em que ela estava envolta em sangue, uma imagem horrível. Fui pesquisar mais sobre o caso e descobri que esse não é um caso isolado, há um histórico de mortes de animais nas unidades do Carrefour e até mesmo um caso grave de racismo contra um homem negro ocorrido há alguns anos, na mesma unidade em Osasco, quando ele foi espancado por seguranças no estacionamento acusado de roubar o próprio carro, felizmente um tempo depois ele recebeu indenização da empresa. Mas a cadela Manchinha não teve a mesma sorte de poder seguir viva, assim como os outros animais (li sobre suspeitas de alguns funcionários de diferentes unidades do Carrefour já terem envenenado pombos, gatos abandonados e um caso mais recente, ocorrido por volta de um mês atrás, no Carrefour da Rodovia Raposo Tavares, São Paulo, em que um cachorro abandonado foi morto com chutes).
Não faço parte de nenhuma rede social, mas soube que o caso da Manchinha rendeu as mais diversas manifestações. Gente indignada, e com razão de estar, e gente estúpida e insensível menosprezando a crueldade do caso. Eduardo Bosta, por exemplo, aquele cantor sertanejo mais conhecido como Eduardo Costa, que ficou rico cantando e compondo aquelas músicas horrorosas, deu a entender que a comoção das pessoas sobre o caso era "mimimi", comparando o caso da cadela Manchinha com o caso de uma senhora de mais de cem anos de idade que foi recentemente assassinada de forma igualmente cruel. Sim, um assassinato horrível de uma senhora já bem idosa, mas o caso da cadela Manchinha, certamente por ter sido registrado em vídeo, acabou ganhando mais destaque, e não é por se tratar de uma cadela que isso deve ter menos relevância ou ser tratado com menosprezo. Sobre o caso da senhora cruelmente assassinada, Eduardo Bosta disse que ninguém comentou, que aí, nesse caso, não houve comoção alguma, mesmo ela sendo um ser humano e não "apenas" um animal. Alguém na internet indagou: "e o Eduardo Costa por acaso em algum momento disse algo quando essa senhora foi assassinada?". Claro que não. Ele só foi comentar algo sobre o caso dessa senhora depois de ver que todos estavam comentando sobre o caso da cadela Manchinha, assim aproveitando a oportunidade para ganhar atenção com as estupidezes que ele costuma dizer.
Outro Eduardo que eu soube que gravou um vídeo comentando o caso da Manchinha foi o Eduardo Bolsonaro, o filho do nosso novo presidente "Bozonaro". Não vi o vídeo, não tenho o menor interesse em ver qualquer coisa que esse idiota tenha para dizer, soube apenas que ele se mostrou indignado com o caso da Manchinha. Mas, não esqueçamos, o Bozonaro pai disse um tempo atrás, não muito tempo, e isso está registrado em vídeo também, que a caça aos animais (e falando dos animais de uma forma geral mesmo) é um "esporte saudável" e que, se ele se tornasse o novo presidente (o que logo vai se tornar um fato), a caça aos animais teria "burocracia zero" no Brasil. Bozonaro filho é daqueles filhos que dizem amém para qualquer coisa que o papai diga, e sobre esse assunto da caça aos animais não deve ser diferente. Para ele, a morte da Manchinha, especificamente, que causou enorme repercussão, foi motivo de indignação, mas em relação aos outros animais, os milhares que são mortos diariamente e que ninguém sabe porque não acabam em fotos em redes sociais, nos jornais, etc., esses tantos que são diariamente agredidos, anonimamente mortos, aí esses que se danem, né?
Dois Eduardos e ambos representam, de diferentes formas, o pensamento de muitas e muitas pessoas. Um fala sobre a crueldade contra uma cadela como se isso fosse algo que deveria ser tratado com menor importância e o outro se mostra indignado sobre o caso, mas ignora os tantos outros casos igualmente cruéis que acontecem todos os dias em todos os cantos do país (somente em São Paulo, a maior cidade do Brasil, houve, neste ano, desde janeiro até o final de novembro, aproximadamente 25 denúncias de maus-tratos contra animais por dia, a cada dia do ano, fora os tantos outros casos em todos os outros lugares do Brasil e que, na maioria das vezes, não vêm à tona, ninguém acaba sabendo).
Há muitas pessoas que pensam que lutar pela causa dos animais, ser ativista, ou mesmo se indignar com esses casos horríveis que acontecem, é quase como se fosse uma futilidade, algo irrelevante, são pessoas que geralmente pensam que os bichos nascem somente para servirem como alimento (e os que não servem para isso, como os cachorros e gatos abandonados, por exemplo, são apenas como sujeiras das ruas). Li em algum lugar, agora não me recordo exatamente onde, uma pessoa comentando algo mais ou menos assim: "muitas dessas pessoas que estão por aí se dizendo chocadas com a morte da cadela no Carrefour, indignadas, saem do próprio mercado com as mãos cheias de sacolas com pedaços de cadáveres de peixes, frangos, porcos, bois..." É verdade, em geral as pessoas nem sequer pensam que os animais que elas comem, além de muitas vezes terem tido uma vida cruel, sendo tratados como máquinas enquanto vivos, também foram mortos de uma forma cruel (e essa é uma das razões pelas quais já faz alguns anos que eu deixei de sair dos mercados com pedaços de qualquer tipo de cadáveres nas sacolas). "Mas e as milhares de pessoas que foram assassinadas no Brasil somente nesse ano, as crianças que vivem nas ruas, etc.?", muitos indagam na tentativa de diminuir o horror que acontece diariamente também com os bichos em todas as partes do mundo (com a diferença de que o número de animais mortos diariamente em casos de agressão, em matadouros, em laboratórios, nos oceanos, etc., é absurdamente maior, e eu sempre me pergunto: o que será que fazem para ajudar alguém essas pessoas que, quando acontece um caso como esse da Manchinha, falam como se a violência cruel contra um bicho fosse algo menos relevante?). Neste lugar em que vivemos, sobre o qual pisamos, que chamamos de Terra, isso que chamamos de empatia deve ser, ou deveria ser (porque na verdade não é), algo sentido e exercido em relação a todos os seres, não somente aos humanos.
Deixo aqui um trecho de um poema do Maiakóvski:
"(...) Pois, tomai-me para
guarda dos bichos.
Gosto deles.
Basta-me ver um desses
cães vadios,
como aquele de junto à
padaria,
um verdadeiro vira-lata!
e, no entanto,
por ele
arrancaria meu próprio
fígado:
Toma, querido,
sem cerimônia, come!"