7 de dezembro de 2019

do que vale mais

montes de dinheiro, roupas de marcas caras, mansão, carrão, o tangível no aumentativo, arroto de caviar, veuve clicquot ou dom pérignon, alarde de diplomas, nutrição de flor de umbigo em rede social, barrigas chapadas em egos inflados, desfile de riqueza material, qualquer coisa com a qual o capiroto da ganância possa querer nos seduzir em troca das nossas almas, etc. e tal, nada disso me impressiona. impressionante mesmo, para mim, é quem enxerga além do que é palpável, descobre universos nas miudezas, no ínfimo e no grandioso da natureza, a Floresta Amazônica, o sol, é quem mostra também as próprias sombras, os anéis de Saturno, a luz da lua sobre o mar, as estrelas, aurora boreal, as pedras de Torres, a Praia da Guarita, da Cal, Machu Picchu no topo de uma montanha, o chão e o céu do Deserto de Atacama, do Saara, do Salar de Uyuni, o lago Titicaca, a branca imensidão da Antártida, da Groenlândia, a chuva, os raios, o voo dos pássaros, os olhos das corujas, dos lobos, dos peixes, a sobriedade elegante dos gatos, a força e o instinto de coletividade das formigas, das abelhas, a pureza do meu cachorro, dos outros cachorros, os bichos todos, pois não precisam de filosofia, banho de loja, sabem a que vieram e não se perguntam de onde e por quê. afinal, como disse José Saramago, "o instinto serve melhor aos bichos do que a razão serve aos seres humanos."

(curtindo o sol) 

29 de novembro de 2019

aos garis e margaridas

se os poetas
parassem de escrever,
nada de mais aconteceria
(poesia: com a qual
ou sem a qual,
o mundo
não continuaria
tal e qual?),
telas e papéis ainda
seriam fabricados
para morrerem
em branco
ou iluminados
enquanto o sol
para todos nasceria.

se os músicos
parassem de compor,
nada de mais aconteceria
(ainda que a música
possa ser para a alma
o que o alimento
é para o corpo),
as rádios continuariam
suas programações
com músicas
das décadas passadas
e os ouvidos passariam
a ouvir mais (quem sabe?)
uma voz que só pode
ser ouvida através do silêncio.

se os pintores
parassem de pintar,
nada de mais aconteceria
(nas cores que a gente pinta,
ainda a vida),
o céu continuaria
às vezes indeciso
entre o laranja e o violeta
às seis horas da tarde
e ainda haveria terra
em alguns tons de marrom
como os da mistura de tintas
das três cores primárias.

mas se os garis
e as margaridas
(imprescindíveis
a escapar das retinas)
parassem de varrer as ruas,
estaríamos todos sujos.

3 de novembro de 2019

cá da Terra



se apenas na parte
visível do Universo
existem mais
de cem bilhões
de galáxias
e em cada
galáxia
uma
média
de cem
bilhões
de estrelas,
estupidez
é ater-se
à língua
comprida
e bifurcada
de quem usa
telas e janelas
somente para
observar
a vida
alheia.



(imagem: foto de Carlos Fairnbairn)

30 de setembro de 2019

dos moralismos e hipocrisias


mais uma criança foi morta por "bala perdida" (dessas balas perdidas que geralmente acabam encontrando como alvos os corpos de negros e pobres) no Rio de Janeiro. somente neste ano, nos meses de governo Witzel, 1.249 pessoas morreram em favelas, 44 policiais morreram e 16 crianças foram baleadas - 5 dessas foram mortas. não é simplesmente, como querem fazer parecer alguns, efeito colateral do combate ao crime, é uma carnificina, uma política de segurança pública (de extermínio, na verdade) que autoriza a polícia a atirar "na cabecinha", como disse o próprio governador do Rio de Janeiro, algo que me faz lembrar de Bolsonaro dizendo anos atrás, em uma entrevista na televisão, que era necessário "fazer uma guerra civil" no país e "matar uns 30 mil", mesmo que morressem alguns inocentes, "tudo bem", segundo ele.

pouco tempo atrás, Bolsonaro elogiou Stroessner, o PEDÓFILO e torturador que foi presidente do Paraguai. Crivella, o prefeito do Rio de Janeiro, recentemente fez alarde querendo censurar um livro que seria vendido na Bienal do Rio pelo fato de haver nele a imagem de um beijo entre dois personagens masculinos. A ministra Damares já disse (e esse é apenas um dos tantos absurdos saídos de sua mente lunática) que na Holanda os pais masturbam seus filhos bebês para que eles se tornem adultos sexualmente saudáveis. são essas as pessoas, e tantas e tantas outras (governantes, pastores, etc.), que, obcecadas pela sexualidade alheia, constantemente pregam "a moral dos bons costumes", como se estivessem muito preocupadas com a educação das crianças, mas que pouco ou nada dizem quando algumas dessas crianças são assassinadas.

em seu discurso mentiroso na ONU, Bolsonaro disse que "a 'ideologia' invadiu nossos lares e tenta destruir a inocência de nossas crianças". um discurso ideológico (de uma voz nada conciliadora) contra "a ideologia", ou seja, hipócrita, moralista. Bolsonaro, Damares, Crivella, e esses outros pastores que apoiam o atual governo, fizeram alguma crítica sobre o fato, por exemplo, de o apresentador, dono da emissora de televisão SBT, Silvio Santos (aliado de Bolsonaro), exibir em seu programa, no domingo em rede nacional, crianças vestidas com maiô, como se fossem adultas, para que escolhessem aquela que tivesse, segundo o que o próprio Silvio Santos disse, "as pernas mais bonitas, o corpo"? obviamente: não.

em seu discurso mentiroso na ONU, Bolsonaro disse, também, que "o ambientalismo radical" e o "indigenismo ultrapassado" representam "o atraso" e que seu governo tem "tolerância zero para criminalidade, incluindo crimes ambientais". ele desmontou toda a estrutura de fiscalização dos órgãos governamentais de defesa do meio ambiente, mas na ONU, onde estaria falando para o mundo inteiro, ele diz que tem "tolerância zero com crimes ambientais", ou seja, mente descaradamente. e quem é Bolsonaro, um homem que sempre destilou diversos preconceitos, um dos políticos mais retrógrados do mundo, que discursa "como se estivesse ainda na Guerra Fria" (como bem disse um professor da UERJ), para falar sobre atraso?

alguns políticos, pastores e outras pessoas que cometem absurdos (o deputado e pastor Marco Feliciano, aquele que já foi gravado pedindo o cartão de crédito de uma pessoa na igreja, recentemente teve seu tratamento dentário, no valor de 157 MIL REAIS, pago pela Câmara dos Deputados, ou seja, pelo povo, Bolsonaro dizendo que usava o dinheiro que recebia do auxílio-moradia para "comer gente", Damares e Witzel dizendo que possuem diplomas que, na verdade, eles não têm, etc., etc., etc.) são as pessoas que, cheias de imoralidades em suas vidas mais sujas que pau de galinheiro e ao mesmo tempo com discurso moralista e hipócrita, querem censurar a arte no país, exposições, filmes, livros, etc.

governos autoritários não querem cidadãos que façam questionamentos através da arte, do cinema, do teatro, da música, da literatura, da filosofia, da poesia, querem cidadãos que apenas digam "amém", que não se oponham sobre nada. Fernanda Montenegro, por exemplo, uma das grandes atrizes do Brasil e do mundo, recentemente foi alvo do ódio cego de ignorantes pelo fato de se posicionar politicamente. há uma frase que é atribuída ao escritor Caio Fernando Abreu, que eu não sei se realmente é dele, mas que eu gosto muito, que diz o seguinte: "é melhor ser rejeitado por ser sincero do que ser aceito sendo hipócrita". há uma outra frase, que eu não sei a autoria, que diz o seguinte: "se 'todo mundo' gosta de você é porque você não está se posicionando o suficiente".

há pessoas (moralistas e hipócritas) que às vezes se dizem "chocadas" com algumas representações artísticas, com algumas imagens em livros e em espaços na internet ou com o uso de algumas palavras tidas como "palavrões" ("palavrão mesmo é condomínio, pedágio, fome", como certa vez disse Dercy Gonçalves), mas que não se dizem ou não se mostram chocadas quando, por exemplo, um presidente de um país exalta a tortura, torturadores, pedófilos, assassinos, quando políticos grosseiros e extremamente ignorantes incitam a intolerância e a violência entre as pessoas.

há pessoas (moralistas e hipócritas) que pregam a "paz" (e agindo não muito diferente desses com armas nas mãos e que erram o alvo matando pessoas inocentes), mas estão cheias de ira buscando alvos errados para serem julgados por elas - são pessoas que se sentam diante de um computador, ou com um telefone nas mãos, e armadas com suas línguas e dedos miram seus julgamentos contra os que ousam criticar as verdadeiras barbáries mesmo sabendo que por isso serão alvos dos que preferem compactuar com os horrores do mundo.

há pessoas (moralistas e hipócritas), geralmente covardes que nem sequer mostram a cara (esses tantos que geralmente não dão a cara a tapas ao dizerem o que pensam, protegidos atrás de imagens que não são de si mesmos), que em vez de usarem suas palavras contra os canalhas e perigosos que estão no poder (des)governando cidades, estados e países e desgraçando a vida de tantas pessoas e bichos, preferem usar suas palavras contra os que usam suas palavras contra a ignorância nociva, os preconceitos, o retrocesso, a estupidez humana...

há pessoas (moralistas e hipócritas) que provavelmente se sentem maiores quando tentam, no desejo de buscar atenção com seus julgamentos (muitas vezes evidentes demonstrações de inveja), diminuir outras pessoas ("quando Pedro me fala de Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo", como escreveu Freud).

há pessoas (moralistas e hipócritas), geralmente caretas de ideias antiquadas, ultrapassadas, que querem da arte um (falso) puritanismo, que querem dos livros somente palavras assépticas, que rejeitam o fato de que a arte, a literatura e a poesia podem ser provocativas e servem, também, para que possamos expandir a mente e, assim, fazer caber nela mais da realidade do mundo. mas há quem prefira, antes de tudo cerceando a si mesmo, ver em uma rosa apenas as pétalas e negar a existência dos acúleos em seu caule.

14 de setembro de 2019

algumas páginas: Manoel de Barros


















Manoel de Barros
Poesia completa - São Paulo: LeYa, 2013.

7 de setembro de 2019

1 de setembro de 2019

O Excrementíssimo Senhor Presidente da República Federativa do Brasil

(aquarela de Mauricio Conforto)
dessa boca
não é novidade
sair tanta merda


o atual presidente do Brasil voltou a ser o "Bolsonaro raiz", o verdadeiro, aquele que passou décadas como deputado dizendo as mais diversas estupidezes, destilando os mais diversos tipos de preconceitos sobre os mais diversos assuntos, o machão que não controlava a língua dentro da boca, diferente de quando antes das eleições presidenciais fugiu dos últimos debates na televisão para não evidenciar ainda mais, apenas durante breves momentos, seu total despreparo e suas imensas ignorâncias. mas Bolsonaro sempre foi aquele que disse, por exemplo, que "o erro da ditadura foi torturar e não matar" (e mais recentemente andou dizendo que "não houve ditadura" no Brasil), ou que Pinochet "fez o que tinha que fazer" no Chile e que ele "devia ter matado mais gente", ou que preferia que o próprio filho morresse em um acidente se fosse gay, ou quando posou para uma fotografia ao lado de um cartaz que debochava das buscas por desaparecidos políticos da ditadura com a seguinte frase: "quem procura osso é cachorro". são apenas alguns exemplos, mas a lista de declarações repugnantes já era imensa.

agora, já como presidente, Bolsonaro continua demonstrando quem de fato sempre foi, quem de fato é (e agora, somente agora, há por aí os que se dizem "surpresos" sobre Bolsonaro e seu governo, como se ele não estivesse há quase três décadas, inclusive muitas vezes até mesmo em programas popularescos da televisão, mostrando exatamente o que sempre representou ser e sem ter feito, durante todos esses quase trinta anos, absolutamente nada de relevante como deputado, mas mesmo sempre tendo sido um medíocre, um declarado adorador de torturadores, um grosseiro desequilibrado que não aceita ser contrariado, criticado, um ignorante, que já havia deixado bem claro qual era o seu posicionamento em relação às questões ambientais, aos indígenas, aos quilombolas e à Amazônia, inclusive, mesmo assim há gente por aí que agora se diz surpresa sobre quem ele é e como está conduzindo seu governo - porém, ainda pior do que uma pessoa ter sido ignorante sobre Bolsonaro é saber exatamente quem ele é e, ainda assim, compactuar com o que ele representa de ruim para o Brasil e para o mundo):

segundo o excrementíssimo senhor presidente do Brasil, "o racismo no Brasil é coisa rara", frase dita recentemente em entrevista a Luciana Gimenez, apresentadora profunda como um pires, que concordou com tal afirmação. em se tratando de declarações estúpidas, alguma novidade? há algum tempo ele já havia dito, por exemplo, em entrevista ao ator britânico Stephen Fry (que depois da entrevista disse que aquela havia sido uma das experiências mais sinistras que ele já teve na vida), que "não existe homofobia no Brasil". são exemplos que apenas reforçam algo que há muito tempo eu penso: todos somos, de alguma forma, preconceituosos em algumas circunstâncias, mas as pessoas mais preconceituosas que existem são muitas vezes exatamente aquelas que mais negam a existência dos preconceitos (e que geralmente dizem que são "vitimistas" os que são alvos desses preconceitos, dizendo isso porque obviamente são pessoas com determinados privilégios e que não têm uma gota de empatia correndo em suas veias). chega a ser cômico, ou tragicômico, na verdade, o fato de que uma pessoa como o atual presidente, que tem um histórico tão grande de declarações preconceituosas, negue a existência da homofobia e do racismo no Brasil.

ainda segundo o excrementíssimo atual presidente, "o Brasil não pode ser um país do 'mundo gay', do turismo gay, temos famílias" (inclusive ele sempre deixou claro, também, que governaria para "a família", a dele própria, claro, e a ignorância de Bolsonaro é tão grande que talvez ele esqueça que gays também têm famílias, formam famílias, vêm de um pai e de uma mãe como todo mundo, ou será que ele pensa que gays nascem em árvores?), mas "quem quiser vir ao Brasil para fazer sexo com mulher, fique à vontade" (o que esperar de um político que já declarou que usava dinheiro público, do auxílio-moradia, para "comer gente" ou que já admitiu até mesmo, dando risada na televisão, que já fez sexo com bichos?). ou: falar que se passa fome no Brasil "é uma grande mentira". e sobre a indicação do filho Eduardo à embaixada brasileira nos Estados Unidos (nepotismo define), disse que "é lógico" que vai beneficiar um filho, vai dar "filé mignon" (enquanto 290 agrotóxicos já foram liberados desde o início do governo, um recorde na aprovação de agrotóxicos no Brasil, sendo que alguns desses, por serem extremamente tóxicos, estão proibidos em outros países), ou que "só veganos" se importam com a questão ambiental, ou que o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) "mente sobre o desmatamento" no país (e enquanto Bolsonaro tenta omitir a verdade, o fato é que o número de queimadas dobrou na Amazônia em relação ao mesmo período de 2018 - e como a Marina Silva disse: "as queimadas sempre ocorreram, mas nunca incentivadas por discurso de um presidente"), ou como dias atrás ao defender as vaquejadas ele disse que "não existe o politicamente correto" (como se a crueldade contra os animais pudesse ser justificada com a desculpa cretina de não ser "politicamente correto"), dizendo ter "muito orgulho" de defender os rodeios e vaquejadas, assinando um decreto que autoriza atividades como a "prova do laço" (o que esperar de diferente vindo de alguém que já disse, tempos atrás, que a caça é um "esporte saudável"?).


mas Bolsonaro é, segundo ele próprio se declara, "cristão", um "cidadão de bem", como se declaram também muitos dos que o apoiam, "cidadãos de bem". li dia desses em algum lugar a seguinte frase escrita por um professor: "eu gostaria de saber como funciona o raciocínio de alguém que diz que admira Jesus Cristo e Bolsonaro ao mesmo tempo". o fato é que muitas pessoas esquecem, ou ignoram por conveniência, que Bolsonaro tem, na verdade, um histórico de grande admiração por torturadores, e não por aqueles que, como Jesus Cristo, foram torturados até a morte. ele exalta homens monstruosos da História (Ustra, Pinochet, Stroessner, Fujimori, etc.), incita a intolerância entre as pessoas, mas foi batizado nas águas do rio Jordão e costuma citar trechos da Bíblia, então parece que para muitas pessoas que não são capazes de enxergar (ou preferem não enxergar) contradição nisso, o que importa de fato, e desconsiderando totalmente o restante, é que ele fale como se fosse uma espécie de salvador da pátria em nome de Deus (embora o verdadeiro "Deus" de muitas pessoas seja o dinheiro e isso também não é novidade), dos "bons costumes" e "contra a corrupção", que para essas pessoas que o admiram, para seus aliados e para ele próprio, parece que só deveria ter sido combatida se fosse em relação a um único partido, o PT, ou os apoiadores de Bolsonaro disseram algo contra a corrupção quando, por exemplo, já antes do início do (des)governo de Bolsonaro, seu filho Flávio, sua mulher Michele e Fábrício Queiroz estavam sendo investigados por esquema de lavagem de dinheiro, enriquecimento ilícito, mas com as investigações tendo sido canceladas pelo STF a pedido de Flávio Bolsonaro? e sobre o fato de alguns ministros do governo Bolsonaro (Tereza Cristina, Luiz Henrique Mandetta, Ricardo Salles, Paulo Guedes, Marcelo Álvaro, Augusto Heleno, só para citar alguns exemplos) terem sido investigados por corrupção, improbidade administrativa ou réus em ações judiciais? Onyx Lorenzoni admitiu o crime de "caixa 2", inclusive (e depois disse que já havia "se resolvido com Deus"). o que os que apoiam o governo Bolsonaro, que tanto falam sobre combate à corrupção, têm para dizer sobre o fato de que o presidente que eles elegeram, que chegou ao poder erguendo bandeira contra a corrupção, tenha em seu governo tantos ministros com pendências com a Justiça?

em vez de ficarem compartilhando tanta futilidade, inclusive sobre si mesmas, e notícias falsas por WhatsApp ou por onde quer que seja, há muitas pessoas que, caso quisessem ser mais sensatas e expandir mais as suas mentes com conteúdos que realmente acrescentem algo de mais valioso e até de mais poético para as suas vidas, deveriam adquirir mais conhecimento através de livros, de espaços na internet com mais cultura e não mal-intencionados (como a maior parte da grande mídia, inclusive), de vídeos interessantes no YouTube, afinal se hoje em dia quase todos têm, de alguma forma, acesso à internet, por que preferir ser ignorante e utilizá-la apenas da maneira mais superficial, estupidamente egocêntrica ou perniciosa possível? como costumam dizer, hoje o mundo está, ou pode estar, caso queiramos, em "nossas mãos", até mesmo para sabermos mais sobre a história do nosso próprio país ou de qualquer outro, por exemplo, podemos fazer isso dentro das nossas casas, diminuir nossas ignorâncias sobre qualquer assunto que seja, inclusive sobre política, e porque muita gente não o faz é que muitas vezes acaba inclusive contribuindo para que pessoas medíocres e nocivas ganhem poder, um poder que acaba muitas vezes sendo utilizado da maneira mais equivocada e egoísta possível. mas os que contribuem para que os medíocres e nocivos ganhem poder são muitas vezes, também, egoístas, usam o poder de seus votos, por exemplo, pensando apenas em si mesmos, não com um pensamento de inclusão em relação ao outro, são pessoas que muitas vezes dizem que não são classistas, por exemplo, mas são, pessoas que dizem que não são preconceituosas, mas são, ainda que muitas vezes de forma velada ou algumas vezes até mesmo escancarada, pessoas que dizem que não são racistas, mas são, como já aconteceu, e mais de uma vez, uma mais recentemente, por exemplo, de alguns torcedores do Grêmio, time de futebol do meu estado, ficarem gritando a palavra "macaco" para jogador negro de equipe adversária (e faço questão de dizer sempre que não sou racista: não tenho nada contra brancos), ou como eu mesmo já ouvi frases racistas de pessoas que conheço.

independente do estado (embora no caso do Brasil alguns dos estados do Nordeste sejam os que menos aceitam discursos classistas e prova disso é que nas últimas eleições presidenciais foram dos que menos votaram em Bolsonaro, que orgulho do Nordeste!, ao contrário do Sul e Sudeste, por exemplo, onde a maioria, mesmo que com várias opções de candidatos, desde o início preferiu aderir ao discurso autoritário de Bolsonaro), independente do país, pode ser aqui no Brasil, em Portugal, na França, nos Estados Unidos, onde quer que seja, o fato é que em qualquer lugar do mundo ainda há muitas pessoas que "normalizam" os preconceitos, a ignorância, a xenofobia,  o desrespeito, a estupidez humana, os discursos de intolerância, pessoas que, como na linguagem popular, "passam pano" para pessoas como Bolsonaro, "ah, ele é apenas um homem bruto que diz o que pensa sem pensar muito para dizer, que expõe suas opiniões, etc.", não, ele não é apenas um homem bruto que expõe suas opiniões, até porque preconceito não é simplesmente opinião, é crime, inclusive, em muitos casos. mas ainda que o que eu diga ou escreva seja apenas o que eu digo ou escrevo e não sirva para mudar praticamente nada do que julgo ser ou estar errado sobre o que independe das minhas vontades - e talvez nem mesmo nos pensamentos dos que me ouvem ou leem minhas palavras -, ainda assim, e sobre determinadas questões, eu não me calo, afinal se calar diante da ignorância e do que é injusto é com a ignorância e com a iniquidade compactuar. aos que, por total conivência, não conseguem de forma alguma criticar Bolsonaro  e nem sequer sabem ouvir ou ler qualquer crítica sobre ele e instantaneamente insistem apenas em falar sobre ex-presidentes, sobre o PT, convém lembrar que Lula está preso, que Dilma foi tirada da presidência do país há tempos e Haddad não foi eleito presidente (e nem assim determinadas pessoas se sentem satisfeitas, algumas talvez se sentiriam apenas se Lula, por exemplo, estivesse morto, ou fosse assassinado, qualquer repugnância do tipo, já que parece que muitos desses "cidadãos de bem" e "cristãos" de hoje em dia só se satisfazem, como na Inquisição, vendo gente sendo queimada, ainda que agora de modo figurado, como esses tantos que até hoje em dia, através de seus julgamentos, querem lançar outros tantos nas fogueiras da marginalidade, ou como os que recentemente celebraram até mesmo a morte de uma criança, inclusive, somente pelo fato de que era um neto do Lula, ou como debocharam da morte de sua ex-esposa), convém também lembrar que estamos em 2019, não em outros períodos da História em que determinadas barbaridades eram vistas com normalidade por muitos porque faziam parte de uma realidade obscura. há tantas pessoas que falam sobre renovação e, no entanto, muitas dessas são pessoas que, na verdade, querem é conservação: dos seus privilégios, antes de tudo, mas também da ignorância, pessoas que, com incapacidade (ou falta de vontade) de discernimento crítico, são guiadas apenas pelo senso comum (esse de perspectivas lineares, delimitado, que não confronta e apenas concorda e que ao longo da história fez com que durante muito tempo as pessoas acreditassem que a Terra fosse plana, por exemplo, algo que, por mais absurdo que pareça, algumas pessoas ainda acreditam que possa ser real, inclusive Olavo de Carvalho, o "guru" intelectual de Bolsonaro e de muitos de seus eleitores, que já declarou que "não se aprofundou no assunto", mas que não pode refutar a ideia de que a Terra não é redonda). vida que segue - para os que não permitem que seus pensamentos sejam cristalizados pelo tempo e para os ignorantes por opção.



12 de agosto de 2019

¿qué he sacado con quererte?

("Contra la guerra", tela bordada, 1962 - Violeta Parra)


com nome de uma cor e de uma flor, a compositora, cantora e artista plástica chilena Violeta Parra (1917 - 1967) foi, é, um ícone da cultura latino-americana. compositora de pérolas musicais como Gracias a la Vida (interpretada por cantoras como Elis Regina, Joan Baez e Mercedes Sosa, que gravou, em 1971, um álbum somente com composições de Violeta intitulado Homenaje a Violeta Parra) e Volver a los 17 (mais conhecida no Brasil também pelo dueto de Mercedes Sosa com Milton Nascimento), também foi compiladora de músicas folclóricas. por seu talento multifacetado, pelas canções que uniam o protesto (que se transformaram em hinos à liberdade) e o mais genuíno lirismo, Violeta é uma das artistas que mais admiro (inclusive a imagem de fundo deste blog é uma tela bordada por Violeta chamada Contra la guerra, de 1962). dentre tantos vídeos que eu poderia compartilhar de diversos artistas interpretando músicas de Violeta Parra ou dela própria, deixo aqui uma gravação arrebatadora da música ¿Qué he sacado con quererte? (que tenho visto e ouvido muito) interpretada pela mexicana Natalia Lafourcade, cantora da nova geração da música latino-americana:


¿Qué he sacado con la luna, ay, ay, ay, 
que los dos miramos juntos? ¡Ay, ay, ay!
¿Qué he sacado
con los nombres, ay, ay, ay, 
estampados en el muro? ¡Ay, ay, ay!
Como cambia el calendario, ay, ay, ay, 
cambia todo en este mundo. ¡ay, ay, ay!

¿Qué he sacado con el lirio, ay, ay, ay, 
que plantamos en el patio? ¡Ay, ay, ay!
No era uno el que plantaba, ay, ay, ay, 
eran dos enamorados. ¡Ay, ay, ay!
Hortelano, tu plantío con el tiempo
no ha cambiado. ¡Ay, ay, ay!

¿Qué he sacado
con la sombra, ay, ay, ay,
del aromo por testigo? ¡Ay, ay, ay!
y los cuatro pies marcados, ay, ay, ay, 
en la orilla del camino. ¡Ay, ay, ay!
¿Qué he sacado con quererte, ay, ay, ay,
clavelito florecido? ¡Ay, ay, ay!

Aquí está la misma luna, ay, ay, ay, 
y en el patio el blanco lirio, ay, ay, ay, 
los dos nombres en el muro, ay, ay, ay, 
y tu rastro en el camino, ay, ay, ay,
pero tú, palomo ingrato, ay, ay, ay,
ya no arrullas en mi nido, ay, ay, ay, 
¡Ay, ay, ay, ay, ay! 


Letra: Violeta Parra
Voz: Natalia Lafourcade
(En manos de Los Macorinos)



26 de julho de 2019

criação

sobre quando foi concebido
o que não mais se acha
ainda restam verdades
que nem o tempo traz
- e leva para não contar... 
das retinas que espreitaram
os tetos das cidades
e os rastros das pegadas
desfeitas
sobre estradas
e outros lugares
antes feitos de água, 
rios e mares,

dos fósseis
jamais encontrados
no Deserto do Saara,

do instante no Egito
em que o vento beijou
pela primeira vez
uma pirâmide sobre o pico,

dos ancestrais
da África Atlântica, 

dos quinhentos anos
para trás
para toda gente
que não viu
o que existiu antes
nem mais para frente,

do que esteve livre
de morar em um livro
que antes de virar História, 
muito antes já estava vivo, 

do "descobrimento" do Brasil, 

da primeira pincelada
em uma tela, 
de uma imagem
saída da cabeça
materializando 
o que existia dentro dela, 

dos segredos dos papéis
que embrulharam peixes
em algum ponto do Norte
ou do Sul da América do Sul
tingindo escamas como aquarela, 

até de quando foram dados
nomes às coisas, 
quando veio a lume 
- em todas as línguas -
a palavra: criação. 

23 de maio de 2019

Torres por mim

a cidade de Torres comemorou 141 anos de emancipação política administrativa no dia 21 de maio. esse lindo lugar em que eu nasci, que fica no litoral norte do Rio Grande do Sul e faz fronteira com o estado de Santa Catarina (com o Rio Mampituba dividindo os dois estados), é conhecido por suas praias, a ilha dos Lobos (uma pequena ilha em frente à cidade e que abriga lobos-marinhos e leões-marinhos em determinadas épocas do ano), seus morros (os paredões) e seu Festival de Balonismo, período do ano em que, além do verão, a cidade costuma receber muitos turistas. embora seja uma cidade pacífica, minha relação com ela nem sempre foi pacífica, houve muitos momentos em que tive a sensação de não caber nela, não me encaixar muito bem dentro da cidade. fui embora por volta dos 18 anos de idade e, desde então, morei em alguns outros lugares e foi nesses outros lugares que comecei a ter uma nova percepção (ainda bastante crítica, sempre, mas muito mais afável) sobre a cidade em que nasci e fui criado. com tudo que nela falta e sobra (como há sempre algo que falta e algo que sobra em qualquer cidade do mundo), eu amo Torres.


fotografias de minha autoria (de diferentes momentos pela cidade), exceto as duas últimas, que foram retiradas de um site de Torres (Viva Torres):





















19 de abril de 2019

animalium

ainda que qualquer bicho
seja melhor
do que qualquer pessoa,
todo ser humano -
o único animal
que é também
desumano -,
é um pouco rã,
coruja, lagarto...
transmuta-se
em diferentes cores
conforme as suas
circunstâncias:
às vezes se camufla
de imaculado, virtuoso
para no instante seguinte
ser torpe, ardiloso.
vivemos em um jogo
tartufo de interesses
ao paladar
de nossas próprias
conveniências,
por melhores que sejam
nossos intentos,
propósitos,
todos somos,
enfim, como escreveu
Eduardo Galeano,
o que fazemos
para transformar
o que somos.

2 de abril de 2019

traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa e pondera;
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta;
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem;
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?


(poema de Ferreira Gullar
na voz de Adriana Calcanhotto)



28 de março de 2019

Hilda Hilst: "Compaixão também é política"


Já sei que tá cheio de gente sofrendo, velhos, crianças, mulheres, nordestinos, favelados, mas é preciso também fazer alguma coisa urgente e batalhar contra a crueldade em relação aos animais. Há algum tempo ouvi dizer que serravam cavalos vivos porque a dor fazia com que o couro ficasse macio... Fui vomitar ventando no meu pinico de barro. E depois comecei com aquilo tudo que vocês já sabem, a hora dos tamancos. Bem, continuando. Ouvi emocionada, há alguns dias, o relato de uma admirável jovem mulher, Mara Thereza, que há anos vem salvando cavalos doentes e abandonados, ou atados às carroças, com os cascos em carne viva, ou corroídos de sarna e de feridas, e aí ela, Mara, até pede para comprar, mas o dono diz: inda tá bonzinho, dona, veve mais uns dia trabaiando... E o bicho todo esfolado, sangrando. Eh... gente "simpres" e boa!

Em 1964, quando vim para Campinas, um amigo meu quis me levar à Hípica. Fui, achei tudo lindo até que me deparei com uma égua e sua cria num matagal ao lado. A égua cheia de carrapatos, doentíssima, e a cria também. Mas o que é isso? perguntei estarrecida. Explicação: a dona largou as duas aqui, não pagou o aluguel das baias e sumiu. Mas isso é um absurdo, eu disse. Vocês têm que tratar dos animais! Mas, não dá não, dona, não pagando não dá... De início, fiquei aos prantos, só olhando, depois em seguidinha, furiosa, perguntei se me vendiam as duas. Claro, deram graças a Deus, e graças a Deus minha mãe tinha uma fazenda e chamei um caminhão e levei-as, mas só a égua  foi salva porque a cria já estava muito mal. Alguns, que me viram comprar, sorriram e me chamaram de louca. Estou acostumada com tal rótulo e antes louca do que pérfida, nojenta e gélida, pactuando com a maioria dos humanos. Sou louca de compaixão sim, e é pena que eu não tenha poder nem dinheiro para salvar os animais das mãos dos humanos.

Se algum de vocês, leitores, puder ajudar de alguma maneira Mara Thereza, essa admirável jovem mulher, ou aceitando um sofrido animal em sua chácara ou no seu terreno cercado, ou às vezes emprestando um caminhão para tirar o animal de algum inferno ou do carrasco, escrevam para este jornal, aos meus cuidados, e os competentes façam leis, senhores, leis severas para os carrascos de animais, há carrascos em demasia no mundo, há também todo o meu asco e o Pessoa dizendo mais ou menos isso: hoje vomitei o mundo na pia. Eu também. Com licença. Vou indo.

Sobre o vosso jazigo
- Homem político - 
Nem compaixão, nem flores.
Apenas o escuro grito
Dos homens. 
Sobre os vossos filhos
- Homem político - 
A desventura do vosso nome. 

(segunda-feira, 19 de abril de 1993)

Hilda Hilst
em Cascos & carícias & outras crônicas
São Paulo : Globo, 2007.

(Cascos & carícias & outras crônicas é uma seleção de crônicas que Hilda Hilst produziu para o jornal Correio Popular, de Campinas, entre 1992 e 1995) 

17 de março de 2019

el placer de servir

(na ponte sobre a Lagoa do Violão)


“Toda la naturaleza
es un anhelo de servicio; 
sirve la nube, sirve el aire, sirve el surco. 
Donde haya un árbol que plantar,
plántalo tú; 
donde haya un error que enmendar, enmiéndalo tú; 
donde haya un esfuerzo que todos esquiven, acéptalo tú. 
Sé el que aparte la estorbosa
piedra del camino,
sé el que aparte el odio
entre los corazones 
y las dificultades del problema. 
Existe la alegría de ser sano
y de ser justo; 
pero hay, sobre todo, la hermosa,
la inmensa alegría de servir. 
¡Qué triste sería el mundo si todo en él estuviera hecho, 
si no hubiera rosal que plantar,
una empresa que acometer!
Que no te atraigan solamente los trabajos fáciles: 
¡Es tan bello hacer lo que otros esquivan! 
Pero no caigas en el error 
de que sólo se hace mérito
con los grandes trabajos; 
hay pequeños servicios
que son buenos servicios: 
adornar una mesa, ordenar unos libros, peinar una niña. 
Aquel es el que critica,
este es el que destruye, sé tú el que sirve. 
El servir no es una faena de seres inferiores.
Dios, que da el fruto y la luz, sirve.
Pudiera llamársele así: El que sirve. 
Y tiene sus ojos fijos en nuestras manos
y nos pregunta cada día: 
¿Serviste hoy? ¿Al árbol?
¿A tu amigo? ¿A tu madre?”


("El placer de servir", poema da chilena Gabriela Mistral)

14 de março de 2019

quem mandou matar Marielle?

(imagem: Suite de Ideias)


hoje, dia 14 de março de 2019, os assassinatos de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes completam um ano. dias atrás foram presos dois suspeitos dos assassinatos, mas as perguntas seguem sem respostas: quem mandou matar Marielle? por quê? 

deixo aqui dois dos 50 poemas que integram a antologia Um girassol nos teus cabelos - poemas para Marielle Franco (Quintal Edições, 2018), organizada pelo Mulherio das Letras, com curadoria de Cidinha da Silva, Eliana Mara e Marilia Kubota, orelha assinada por Áurea Carolina e ilustração de capa de Iêda Carvalho:



Turmalina

mar revolto
mar envolto
de luto
e luta
lança ao mar
a morta
a viva mira
a turmalina
à tona
do mar turvo
tumulto
das olas do mar
tragando o tronco da morta
as marolas lavam
lambem a lã na testa
o último toque
à vista da viva
mareja o olho
lacrimeja a pálpebra
ao longe avista
a costa pálida
capitaneia o espírito
de quem viverá
livre um dia
mareada
margeada
por empecilhos
marginalizada
mas maravilhada
alada lá no alto
até que atocaiada
emboscada
executada
transmutada
em tantas mais
marias meninas mulheres
tantas outras elas
apelidadas marielles


Divanize Carbonieri


***

Dentro e além deste poema
A morte não conduz ao silêncio
Mas engendra e fortalece o grito: 
Marielle presente!
Agora, sempre! 


Anna Apolinário

8 de março de 2019

Mafalda, 50 anos de feminismo em tirinhas

Mafalda é uma menina que não se cala nunca,
mas o que a torna uma feminista
é que acima de tudo acredita na equidade.  

por Fernanda Caballero - do EL PAÍS


Mafalda é uma personagem que nasceu há mais de 50 anos, mas as suas reflexões não deixam de ser atuais. Desde sua concepção, Mafalda tem sido reflexiva e combativa em questões como maternidade, guerra e infância. Mafalda: Femenino Singular é a nova compilação das tirinhas de Quino da editora espanhola Lumen, que pretende mostrar o que faz da personagem um ícone da luta das mulheres.

Lola Albornoz, editora da Lumen e responsável pela antologia, explica a Verne que a ideia desta seleção surgiu com a imagem de Mafalda em faixas durante a manifestação feminista de 2018 na Espanha. "No trabalho de Quino há muita reflexão que pode contribuir para o movimento feminista", comenta.

Quino declarou recentemente sua afinidade com a luta feminista: “Sempre acompanhei as causas de direitos humanos em geral e dos direitos das mulheres em particular, a quem desejo sorte em suas reivindicações".

O editor do livro diz que a primeira coisa que se pensa sobre Mafalda é que representa a menina que não para de protestar e desafiar o status quo, mas, para Albornoz, o feminismo nas tirinhas não é tão simples: "Mafalda, sua mãe, e [suas duas amigas] Susanita e Libertad nos ajudam a ver que há muitos tipos de feministas e mulheres. Se Mafalda é o estado reivindicativo do feminismo recente, sua mãe e Susanita são as mulheres no passado. E Libertad vem de uma família em que a mãe trabalha e sua visão é completamente futurista".

Entre cerca de 2.000 tirinhas publicadas por Quino desde 1963, Albornoz diz que não foi difícil encontrar material suficiente para dedicar um volume de 140 páginas às reflexões de Mafalda sobre o papel das mulheres e críticas ao machismo de seu entorno. "Nunca tinha sido posto o foco editorial sobre este tema nas tirinhas. Mas não é só Mafalda se queixando sobre o papel feminino, é a menina que convidando à reflexão", diz Albornoz.



5 de março de 2019

Todos os heróis de Jair Bolsonaro

Augusto Pinochet e Alfredo Stroessner,
heróis de Jair Bolsonaro.
(Foto: Reprodução/YouTube)


por João Filho - The Intercept Brasil


A cerimônia de posse do novo diretor-geral da hidrelétrica de Itaipu tinha tudo para ser uma ocasião corriqueira na agenda de Bolsonaro. O ex-capitão nomeou um general para o cargo e aproveitou o evento para exaltar os ditadores brasileiros que participaram da construção da usina binacional junto com o Paraguai. Afirmou que Castello Branco foi “eleito em 1964″ e saudou Costa e Silva, Médici e Geisel. O último ditador militar, Figueiredo, foi merecedor de um afago especial: “saudoso e querido”. Nada de mais até aí. Prestar homenagens à ditadura militar é um cacoete do nosso presidente.

Mas o que era pra ser um evento trivial acabou ganhando destaque pela exaltação que o presidente brasileiro fez do general Alfredo Stroessner, o ditador sanguinário que comandou o Paraguai com mão de ferro por 35 anos (1954 – 1989), sendo o que mais tempo ficou à frente de um país na história do continente. “É um homem de visão e estadista, que sabia perfeitamente que seu país, Paraguai, só poderia progredir se tivesse energia. Então, aqui, a minha homenagem ao general Alfredo Stroessner”, discursou Bolsonaro para uma plateia de jornalistas, em sua maioria paraguaios.

Desnecessário dizer que o presidente brasileiro mentiu. O legado de Stroessner para o seu país é trágico sob qualquer ponto de vista, inclusive do econômico. Ariel Palacios, correspondente internacional que cobre América Hispânica e Caribe há 23 anos, relembrou no Twitter algumas das atrocidades do ditador que inspira o nosso presidente. Apresento algumas a seguir.

Foi Stroessner o grande responsável por transformar o Paraguai em um país marcado pelo contrabando. Durante seu regime, as Forças Armadas paraguaias eram incentivadas a participar do contrabando dos mais variados produtos — principalmente whisky e carros de luxos roubados — e do tráfico internacional de cocaína. “Ah, mas esse é o preço da paz” era o argumento do ditador paraguaio para justificar o envolvimento das suas tropas com o crime. Os altos lucros mantinham os militares — ou devemos chamar de milicianos? — satisfeitos.

O facínora paraguaio comandou o assassinato de aproximadamente 5 mil civis e, segundo a Comissão Verdade e Justiça do Paraguai, torturou cerca de 18.772 pessoas. Muitos opositores foram torturados e mortos. Alguns foram cortados ao meio por serra elétrica, outros queimados lentamente com maçarico. Talvez seja esse um dos pontos que mais encantam Bolsonaro, que já disse textualmente ser “favorável à tortura”.

Stroessner mantinha um campo de concentração perto da capital Assunção e protegeu criminosos de guerra nazistas como o médico Josef Mengele, o “Anjo da Morte”.

O “estadista de visão” foi também responsável por instalar uma “pedofilocracia” no governo paraguaio. Stroessner e parte da cúpula do regime cometeram uma série de estupro de menores, especialmente de meninas virgens. O ditador ordenava que seus assessores buscassem garotas entre 10 e 15 anos de idade para o seu desfrute. Exigia também que o plantel de meninas fosse renovado regularmente. Investigações do Departamento de Memória Histórica e Reparação do Ministério da Justiça em Assunção, Stroessner estuprava em média 4 crianças por mês. Uma dessas foi Julia Ozorio, sequestrada da casa dos seus pais por um coronel e mantida como escrava sexual de Stroessner durante três anos. Julia foi abusada também por oficiais, suboficiais e soldados. Ela relatou sua história em um livro chamado “Uma rosa e mil soldados”.

O bolsonarismo, que vê pedófilo até embaixo da cama, deveria explicar a exaltação que o seu grande líder fez de um abusador de menores em série dos mais cruéis que a humanidade já conheceu.

Mas no altar dos heróis de Jair Bolsonaro cabe muita gente. Há uma lista grande de ladrões, assassinos e torturadores que ganharam elogios públicos. O presidente da República tem muitos bandidos de estimação. Como bem lembrou Clóvis Rossi em sua coluna na Folha, “quem admira um torturador admira todos eles”.


PINOCHET

“Pinochet fez o que tinha que ser feito, porque no Chile havia mais de 30 mil cubanos. Então tinha que ser de forma violenta para reconquistar o seu país”, afirmou Bolsonaro no programa de TV de João Kleber. O ex-capitão nunca escondeu a admiração pelo ditador chileno. Quando Pinochet foi preso pelo governo britânico, o então deputado subiu à tribuna da Câmara para defendê-lo. Perguntou o que seria pior para um povo: “o que o general Pinochet talvez tenha feito no passado, exterminando, matando baderneiros, ou a democracia no país, que hoje mata milhões pelo descaso?”

Mas o chileno não ganhou fama internacional de monstro sanguinário por matar “cubanos” e “baderneiros”. Em 2011, um relatório publicado por uma comissão que investiga crimes da ditadura de Pinochet concluiu que 40 mil chilenos foram torturados ou assassinados. Mas para Bolsonaro, “Pinochet devia ter matado mais gente.”

O regime tinha um apreço especial por torturar e estuprar mulheres, sempre com requintes crueldade. O testemunho de uma das vítimas, revelado em 2004, é aterrorizador: “Fiquei grávida depois de um estupro e abortei na prisão. Levei choques elétricos, fiquei pendurada, fui afogada em um tonel de água, queimada com charutos. (…) Fui obrigada a tomar drogas, ameaçada sexualmente com cachorros, ratos vivos foram colocados na minha vagina. Também me obrigaram a ter relações sexuais com meu pai e meu irmão, que estavam detidos, e tive que ver e escutar as torturas deles. (…) Eles me puseram na grelha elétrica, fizeram cortes com uma espada no estômago. Tinha 25 anos. Fiquei detida até 1976. Não tinha nenhum processo.”

Pinochet foi autor do primeiro atentado terrorista internacional com bomba em Washington, capital dos EUA. Logo depois de derrubar o presidente eleito Salvador Allende com um golpe militar, uma das suas primeiras ações foi ordenar o assassinato de Orlando Letelier, ex-chanceler chileno, que estava exilado em Washington. Seu carro carregava uma bomba e explodiu a menos de 20 quarteirões da Casa Branca. O que diria o mais notável fã brasileiro de Pinochet sobre isso? “Fez o que tinha que ser feito?”

Ano passado, depois de investigação que durou 14 anos, a justiça chilena ordenou que a família de Pinochet devolvesse R$ 19,6 milhões aos cofres públicos. Boa parte do dinheiro roubado durante a ditadura estava escondido em 125 contas secretas nos EUA.

Em 2006, quando já se conhecia todas as atrocidades do chileno, o então deputado Jair Bolsonaro enviou telegrama em solidariedade ao neto do ditador, que havia sido afastado do Exército por fazer um pronunciamento no sepultamento do avô sem autorização.

A paixão do presidente brasileiro por Pinochet é grande. Quando o governo britânico prendeu o ditador, Jair Bolsonaro considerou uma injustiça e chegou a enviar um fax para Tony Blair, então primeiro-ministro britânico, pedindo a imediata libertação do ladrão, torturador, terrorista e assassino chileno.


FUJIMORI

Em 1991, Fujimori aplicou um autogolpe no Peru, fechando o Congresso e a Suprema Corte do país. Quatro anos depois, o ditador peruano veio ao Brasil e não foi recebido pelas principais autoridades brasileiras. José Sarney, presidente do Senado, Luís Eduardo Magalhães, presidente da Câmara, e Sepúlveda Pertence, presidente do STF, se recusaram a encontrá-lo como forma de protesto. Jair Bolsonaro, deputado do baixo clero, lamentou a decisão dos brasileiros e afirmou que Fujimori era um “homem digno”, que fazia um “excelente governo”.

Fujimori governou o Peru por dez anos (1990 – 2000) e comandou uma ditadura sanguinária. Perseguiu, sequestrou, torturou e matou opositores. Em entrevista para o New York Times em 1993, Bolsonaro disse que tem “simpatia por Fujimori” e que a saída para o Brasil seria a “fujimorização”.

A face mais cruel da “fujimorização” no Peru talvez tenha sido o programa de esterilização em massa. Em 2002, a investigação de uma comissão do Congresso peruano revelou que o governo obrigou 314 mil mulheres, a maioria indígenas, a fazerem laqueaduras.

A versão oficial era a de que o programa de esterilização era voluntário. Só as mulheres que quisessem receberiam a cirurgia do governo. Jair Bolsonaro, claro, comprou imediatamente a versão da ditadura peruana e elogiou o programa em declaração na Câmara: “Pela sua coragem, quero agora louvar o excelentíssimo Sr. Presidente do Peru, Alberto Fujimori, que implantou em seu país, como forma de conter a explosão demográfica, a esterilização voluntária”. No mesmo discurso, o então deputado, vejam só, culpou a Igreja Católica — “uma das grandes responsáveis pela miséria que grassa em nosso meio” — pelo aumento desordenado da população.

Em 2009, o ídolo peruano de Bolsonaro foi condenado a 25 anos de cadeia por corrupção e por comandar dois massacres contra civis, usados como justificativa para combater o grupo guerrilheiro Sendero Luminoso. Fujimori se utilizava de esquadrões paramilitares — você pode chamar de milícias se quiser — para executar homicídios e sequestros. Esse é o homem que Bolsonaro considerava “digno” e que fez um “excelente governo”.


CORONEL BRILHANTE USTRA

O torturador Ustra talvez seja uma das grandes referências políticas do presidente da República. Não é à toa que o livro de memórias do coronel seja sua leitura de cabeceira. Ustra foi o líder das torturas durante o regime militar e o único torturador condenado pela Justiça. No período em que ficou à frente do DOI-CODI, órgão de repressão onde ficavam os presos políticos, 50 pessoas que estavam sob a custódia do Estado foram assassinadas.

Ele se destacava pelo sadismo e pela crueldade. Espancou grávida e torturou uma mãe na frente dos seus filhos. O vereador Gilberto Natalini (PV-SP) tinha 19 anos quando foi torturado pelo herói de Bolsonaro: “Enquanto me dava choques, Ustra me batia com cipó e gritava”.

A ex-presidente Dilma Rousseff também foi torturada por Ustra quando tinha 19 anos. Com muito sadismo, Bolsonaro o homenageou no famoso voto a favor do impeachment da ex-presidente: “o pavor de Dilma Rousseff”.


CORONEL LÍCIO AUGUSTO RIBEIRO MACIEL

Em 2012, o Ministério Público Federal moveu ação civil pública contra o coronel da reserva por prisão ilícita, tortura e homicídio de quatro militantes do Movimento de Libertação Popular (Molipo), que combatia a ditadura militar no Tocantins.

Lício se orgulha de ter comandado o fim da guerrilha do Araguaia e prendido o José Genoíno, seu principal líder, que afirma ter sido torturado durante meses após a prisão.

Em 2005, quando Genoíno foi prestar depoimento na CPI do Mensalão, Bolsonaro mais uma vez demonstrou o sadismo típico dos seus heróis: levou Lício no plenário para acompanhar o depoimento. Políticos de todos os partidos se revoltaram com a presença do coronel, mas Bolsonaro não se intimidou: “Ele é meu convidado, eu paguei a passagem de avião dele. É um direito meu.”


GRUPOS DE EXTERMÍNIO E MILÍCIAS

Em 2003, grupos de extermínio aterrorizavam a Bahia. Comandados em sua maioria por policiais e ex-policiais civis e militares, os grupos assassinaram centenas de jovens negros de periferia por supostamente terem cometidos crimes. Bolsonaro subiu ao plenário da Câmara e fez uma defesa apaixonada dos criminosos:

“Quero dizer aos companheiros da Bahia — há pouco ouvi um Parlamentar criticar os grupos de extermínio — que enquanto o estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo. Se não houver espaço para ele na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo o meu apoio, porque no meu estado só as pessoas inocentes são dizimadas. Na Bahia, pelas informações que tenho — lógico que são grupos ilegais —, a marginalidade tem decrescido. Meus parabéns”!

Em 2008, na CPI das Milícias, que pediu o indiciamento de 266 pessoas suspeitas de ligação com grupos paramilitares no Rio, Bolsonaro novamente saiu em defesa da bandidagem:

“Querem atacar o miliciano, que passou a ser o símbolo da maldade e pior do que os traficantes. Existe miliciano que não tem nada a ver com ‘gatonet’, com venda de gás. Como ele ganha R$ 850 por mês, que é quanto ganha um soldado da PM ou do bombeiro, e tem a sua própria arma, ele organiza a segurança na sua comunidade.”

Torturadores, homicidas, sequestradores, estupradores, corruptos e pedófilos. Os heróis do presidente da República não morreram de overdose, mas o inspiraram usando o estado para cometer os crimes mais odiosos, sempre em nome do bem.


3 de março de 2019

o sol se equilibrando sobre o fio de energia elétrica

(da janela do meu quarto)


"Vivendo, se aprende;
mas o que se aprende, mais,
é só fazer outras maiores perguntas."

João Guimarães Rosa
Grande Sertão: Veredas 

26 de fevereiro de 2019

no NotaTerapia

uma matéria linda sobre mim (com alguns dos meus poemas) foi publicada no NotaTerapia, que é um espaço da internet com ótimo conteúdo para quem gosta de arte, literatura e poesia (para os que ainda não conhecem o site, deixo aqui a sugestão de visita, vale muito a pena, há sempre matérias bem interessantes sendo compartilhadas por lá!). eis o link: